11 de junho 2019 às 17H05
Qualquer tentativa de imputar ao contribuinte o ônus de provar a licitude dos recursos com base em indícios vagos seria ilegal e arbitrária, atentatória à segurança jurídica e vedada pelo art. 146 do CTN.
1.Introdução
Em 2016, o Brasil passou a conhecer um programa legislativo que visou à chamada regularização cambial e tributária de bens não declarados ou declarados com omissão ou incorreção, remetidos ao exterior. Esse regime especial (RERCT- Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária), não foi, contudo, como pode parecer, uma inovação ou invenção meramente nacional. Ao revés, enquadrava-se em uma perspectiva internacional.
Antes de tudo, deve-se ter em mente algumas premissas básicas. A primeira diz respeito ao fato de que o País, diferentemente de tantos outros, desde a década de 1980, assumiu um rígido controle cambial estatal em relação às divisas enviadas ao exterior. Isso se justificou, ao seu tempo, por questões econômicas, tendo impacto também tributário e penal. Ocorre que tal engessamento mostrou-se, em certa medida, ilusório, uma vez que iniciativas relativas ao sigilo bancário em âmbito internacional minimizavam tais possibilidades de controle. Os impactos internacionais derivados da crise de 2007-2008, toda a política regulatória visando ao fluxo internacional de capitais, bem como as balizas de controle de lavagem de dinheiro, direcionaram, na última década, a um afunilamento da realidade anterior. Com uma clara tendência de sobreposição de questões e entendimentos cambiais, tributários e também penais, diretivas postas por organismos internacionais, como a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), implicaram radical mudança do panorama internacional.
Foi nesse quadro que se deu vazão à lei 13.254/16 e, no ano seguinte, à lei 13.428/17, as quais, além de pretender estabelecer a regularização cambial e tributária de bens no exterior, também veicularam anistia criminal às condutas relacionadas ao envio, à existência e à manutenção de tais bens e valores fora das fronteiras nacionais. Foi essa a pactuação estabelecida e derivada da perspectiva internacional, segundo a qual, uma vez reconhecida a existência de bens e valores irregulares no exterior, desde que não derivados originalmente de atividade criminosa, sendo pagos os tributos previstos na própria norma, tais bens ficariam regularizados. Consequentemente, restaria extinta a punibilidade de crimes derivados, isto é, do envio, da existência ou da manutenção de ativos irregulares no exterior. Por igual, a lei 13.254/16 estabeleceu limitação para investigações derivadas das informações prestadas, tudo pautado em uma lógica bem-posta e acordada.
No entanto, mais recentemente e sob a égide de um novo Governo Federal, autoridades diversas manifestaram-se no sentido de que haveria a possibilidade de revisão das declarações feitas junto à Receita Federal, rompendo-se algumas das noções anteriormente ajustadas, como se fosse possível uma releitura do que foi sacramentado. O impacto que a pretensão da Receita Federal pode gerar tanto em relação às questões tributárias, quanto cambiais ou penais, é tremendo. A intenção de revisitar temas superados e já resolvidos pelo próprio Estado, como uma forma de repristinação para retomar o status quo ante, esbarra no direito adquirido ou na boa-fé protegidos pelo Estado de Direito.
O objetivo do presente ensaio não é outro senão destacar a impossibilidade de discussão, pela Receita Federal, sobre o ônus da prova em relação à declaração apresentada quando das regularizações cambiais e tributárias, sob variada gama de aspectos.
2.O contexto e a finalidade do RERCT
Primeiro, é de se ter em conta que o regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT), instituído inicialmente pela lei 13.254/16, teve como objetivo permitir a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção, remetidos ao exterior. Assumindo feição híbrida, o RERCT tem, assim, caráter misto que envolve elementos combinados da transação (art. 171 do Código Tributário Nacional – CTN), anistia (arts. 180 a 182 do CTN) e remissão (art. 172 do CTN). Embora seu núcleo seja tributário1, o RERCT surte múltiplos efeitos, com repercussões nas esferas penal, econômica e cambial.2
É importante lembrar o contexto histórico, nacional e internacional, no qual o RERCT se insere. A instabilidade política e econômica do país levou inúmeros contribuintes a remeter suas reservas financeiras ao exterior. E em 2016, o Brasil seguiu uma tendência mundial ao admitir a repatriação de ativos, num momento em que o Governo Federal precisava de novas fontes de receita. Mas, sempre há que se ter em mente que ele é mecanismo de política internacional, e não criação legislativa episódica da realidade nacional. Dessa forma, toda a lógica do disclosure, tax compliance, favores penais e troca de informações faz parte de um cenário de neoregulação baseada na confiança do sistema tributário global.
Por isso, e sob essa perspectiva, o RERCT é lei de transição, oportunidade, perdão e risco.3 São premissas do RERCT a adesão voluntária, a veracidade das declarações, a lealdade e confiança4 entre o Fisco e os contribuintes. A sua interpretação deve ser feita em conformidade com o fim público a que se dirige, nos termos do art. 2º, XII, da lei 9.784/99. A finalidade do regime especial era justamente regularizar ativos de origem lícita mantidos no exterior, para adequá-los às normas cambiais e tributárias. Consequentemente, foi concedida anistia em relação a ilícitos tributários, econômicos e penais5, permitindo-se a repatriação dos capitais. Como a adesão ao RERCT também implicava reconhecimento de alguma sorte de ilícitos, como a própria evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da lei 7.492/86), entendeu-se por bem explicitar a extinção penal derivada, o que se estendeu à possível sonegação fiscal, lavagem de capitais ou falsidades.
Por essas razões, o RERCT não pode ser comparado com as simples declarações fiscais regularmente prestadas por contribuintes, nas quais são declarados apenas os fatos jurídico-tributários, sem reflexos em outras esferas. As condições legais expressamente estabelecidas pela lei 13.254/16 foram, fundamentalmente: licitude da origem dos recursos e titularidade de pessoa residente no Brasil em 31.12.14.
Durante o prazo para a adesão à primeira versão do programa, a Receita Federal do Brasil, por meio do Ato Declaratório Interpretativo (ADIn) 5/16, publicou o “DERCAT – Perguntas e Respostas 1.0”,6 a fim de dirimir dúvidas dos contribuintes e exteriorizar a sua posição a respeito de pontos controvertidos na interpretação da lei. Nessa versão constava a questão n. 40:
“40 – O declarante precisa comprovar a origem lícita dos recursos? R: O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB”.
Restava, assim, absolutamente claro que o contribuinte não precisava comprovar a origem lícita dos recursos declarados e que o ônus da prova – de demonstrar a falsidade das informações e a consequente ilicitude da origem – era atribuído à Receita Federal do Brasil. Essa garantia era imprescindível para viabilizar a adesão dos contribuintes ao RERCT, tendo em vista que a maioria dos recursos estavam mantidos no exterior há mais de seis anos, o que tornaria difícil, senão impossível, comprovar sua origem, sobretudo quando o patrimônio foi adquirido originalmente por terceiros (por exemplo, na sucessão).
De qualquer sorte, a lei de repatriação vedou expressamente a regularização de recursos oriundos de tráfico de pessoas, de órgãos, de substâncias entorpecentes, contrabando, tráfico de armas, pornografia infantil, terrorismo, extorsão mediante sequestro, crimes contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, crimes contra as relações de consumo, crimes previstos na lei de licitações, crimes de responsabilidade e improbidade administrativa. Havendo elementos probatórios suficientes que indiquem a prática de ilícitos, é de rigor a investigação fiscal e criminal e a exclusão do RERCT. Contudo, diga-se, a presunção originária não é de presença criminosa, mas o contrário.
A presunção de veracidade da DERCAT e da licitude da origem dos recursos do contribuinte é juris tantum, presunção relativa, admitindo prova em contrário. A demonstração da ilicitude deve ser feita pelas autoridades fiscais, sendo que a DERCAT não pode ser utilizada como o “único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal” e/ou “para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes” (art. 4º, § 12º).7
Por sua vez, o art. 4º, §2º, inciso II da lei 13.254/16 é taxativo ao determinar que compete à Receita Federal do Brasil obter outros elementos probatórios que fundamentem o início do procedimento investigatório. Assim, apenas na hipótese de obtenção de informações mediante outras fontes (v.g., troca automática de informações, ofícios do ministério público estrangeiro etc.)8 é que as autoridades fiscais podem, fundamentadamente, questionar a licitude da origem dos recursos regularizados pelos contribuintes e instaurar procedimento para averiguá-la. E, consequentemente, quando o Fisco tiver elementos probatórios suficientes que amparem sua investigação, o contribuinte deve ser intimado a prestar esclarecimento quanto a origem de seus recursos.
Em 22 de outubro de 2018, a própria Procuradoria Geral da República ao emitir seu parecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.729/DF destacou que “O RERCT constitui medida de transição, para possibilitar a regularização da situação jurídica de contribuintes, antes da implementação de acordos internacionais, inseridos no contexto do cenário mundial de conferir maior transparência e compartilhamento das informações fiscais e bancárias entre os Estados Soberanos, como o Acordo de Cooperação Intergovernamental (IGA) assinado pelo Brasil e pelos Estados Unidos da América, em que se firmou o compromisso de compartilhamento de informações entre as autoridades fiscais de ambos os países.” (p. 6). A seguir, o Parecer emitido pela Procuradora-Geral da Republica arremata:
“Dessa forma, o RERCT pode ser entendido como programa de adesão voluntária, instituído pelo legislador, por meio do qual a União confere benefícios de ordem fiscal, cambial e criminal ao contribuinte, que, em contrapartida, declara seu patrimônio localizado no exterior e paga os tributos e multas nos moldes estipulados por lei especifica. As normas impugnadas, que regulamentam o sigilo dos dados noâmbito do RERCT, devem ser analisadas a partir do contexto em que inseridas, como cláusulas de transação realizada entre o Poder Público e o contribuinte aderente.” (p. 8)
No entanto, uma recente alteração preocupa os optantes pelo RERCT, e acaba, sim, por violar toda a principiologia tributária e penal que alicerça o tema, senão vejamos.
3.A inclusão das notas pelo ADIn 5/18: “interpretação conforme”
Em 6 de dezembro de 2018, passados dois anos do primeiro prazo para adesão ao regime especial, a Receita Federal do Brasil publicou o ADIn 5/18, que acrescentou as notas 1, 2 e 3 à questão 40 das perguntas e respostas originais:
“Nota 1: A desobrigação de comprovar documentalmente a origem lícita dos recursos se refere ao momento de transmissão da Dercat, assim como ocorre nas demais declarações prestadas à RFB.
Nota 2: A subsunção da hipótese legal de ingresso e permanência no RERCT poderá ser objeto de procedimento de ofício específico para tal fim.
Nota 3: A RFB, mediante intimação, concederá prazo razoável para que o optante ao RERCT apresente a comprovação sobre a origem lícita dos recursos regularizados.”
Embora a divulgação dessas notas tenha causado surpresa, é importante observar que o texto da resposta 40 não foi, de modo algum, alterado. Assim sendo, ao que tudo indica, não houve alteração interpretativa. Manteve-se a presunção da licitude dos recursos e a imposição do ônus da prova ao Fisco. Em termos substanciais, as implicações concentram-se no cerne tributário e penal anteriormente ancorado.
As notas incluídas no ADIn 5/18 apenas explicitam o conteúdo da lei 13.254/16, art. 4, § 12º, incisos I e II. Ou seja, o contribuinte somente poderá ser intimado para comprovar a origem de seus recursos quando houver elementos de prova suficientes a justificar a suspeita de ilicitude. Nada mais.
Interpretar as notas 2 e 3 como uma obrigação do contribuinte de comprovar a licitude de seus recursos seria admitir uma armadilha contra aqueles que aderiram ao RERCT (que totalizam 27 mil pessoas), confiantes no compromisso público da Receita Federal do Brasil de que não seriam obrigados a provar a origem do patrimônio, o que poderia implicar o dever de fazer prova negativa. Mais do que isso, seria admitir que os princípios de lealdade e confiança estabelecidos,9 bem como a proibição da construção probatória contra o próprio interessado, consubstanciada no princípio do nemo tenetur se detegere,10 fossem absolutamente superados.
A pactuação estabelecida entre os declarantes e o Estado foi a de que somente seria admitida como lícita a autorrealização de uma prova contra os primeiros, se o segundo garantisse, dentro de regras pré-estabelecidas, uma posterior imunidade penal. Assim há o necessário equilíbrio do dever de declarar bens e valores havidos irregularmente no estrangeiro e o direito constitucional de não se autoincriminar. Somente com uma intervenção específica do Estado garantindo anistia e segurança é que semelhante equação poderia funcionar. E tudo, desde um primado tributário, com vistas a interesses nacionais e internacionalmente acordados. Uma violação de qualquer desses pontos, além de impensável, tornaria imprestável toda prova resultante da atuação individual dos declarantes.
A única interpretação adequada das alterações veiculadas nas notas 1, 2 e 3 incluídas no perguntas e respostas é, assim, a interpretação conforme à lei 13.254/16, o Código Tributário Nacional e a Constituição.11 Presumem-se lícitos os recursos declarados na DERCAT. Se, e somente se, houver elementos probatórios suficientes – um conjunto de indícios concordantes – pode ser instaurado procedimento investigatório pelo Fisco, no qual o contribuinte será intimado para fazer contraprova a fim de demonstrar a origem lícita de seus recursos, em respeito ao devido processo legal e ao contraditório.12 Caso contrário, a proibição e limitação mostram-se peremptórias.
Repita-se: na ausência de elementos probatórios suficientes da ilicitude dos recursos – ou seja, com base em indícios vagos ou incoerentes – prevalece a presunção legal de licitude da origem, sendo desnecessária qualquer prova pelo contribuinte. E, nessa hipótese, exigir prova da origem dos recursos declarados na DERCAT seria ato ilegal e arbitrário, até mesmo em função do respeito à boa fé e à vedação de realização de prova contra si mesmo, espelhada no nemo tenetur se detegere.
4.DERCAT: “perguntas e respostas” e o desvio de finalidade
Como se pode depreender dos arts. 112 e 138 do CTN, o Direito Tributário admite, sim, a tutela da boa-fé e incentiva comportamentos pós-infracionais positivos,13 de modo que esses se orientem, no plano da realidade, à correção de eventuais irregularidades em que tenham incorrido. Em coerência com as disposições do CTN, foi introduzido o RERCT que é regime especial de adesão voluntária e envolve transação – mediante concessões mútuas que resultam em extinção de crédito tributário, com implicações penais decorrentes.
A lei que instituiu o RERCT, lei 13.254/16, em seu art. 10, I determinou que a regulamentação do regime especial compete à Receita Federal do Brasil, no âmbito de suas competências. Tais competências, contudo, são limitadas, pois o decreto 63.659/68 atribuiu à Receita Federal a competência para interpretar a legislação fiscal e editar atos normativos (art.3º) e, a lei 10.593/02, art. 6º, I, “e”, com a redação dada pela lei 11.457/07, dispôs que compete à Receita Federal do Brasil orientar os particulares em relação à interpretação da legislação tributária.
Disso resultam duas conclusões: a primeira no sentido de que a referida lei veicula obrigações essencialmente tributárias, a despeito de tratar de outras questões correlatas no âmbito penal e cambial; a segunda, no sentido de que o Poder Executivo seria representado pela Receita Federal do Brasil. Assim, seus atos seriam atos do Estado Brasileiro, não simplesmente de um órgão fracionado. Teriam efeitos para todos os fins referenciados na lei, inclusive penais e cambiais.
Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil editou o “Perguntas e Respostas” com o propósito de elucidar dúvidas dos eventuais aderentes ao regime, permitindo-lhes optar ou não, mas tendo certeza e a previsibilidade quanto às consequências jurídicas de seu ato. Essa foi a finalidade da orientação da Receita Federal do Brasil: esclarecer o conteúdo da lei, para que os contribuintes soubessem sua posição e, em razão dela, optassem ou não.
Após o prazo de opção, não teria mais sentido que fossem utilizadas normas com o objeto de esclarecer alguém, posto que os que decidiram optar não teriam como voltar atrás. Em consequência, a publicação de ato declaratório interpretativo com disposições contrárias às anteriores não poderia ter como finalidade “esclarecer” o cidadão, pois a opção já teria sido realizada com base na interpretação oficial anterior. O propósito do ADIn 5/18 só poderia atender aos interesses da administração, não dos contribuintes que já exerceram seu direito de opção. Tal finalidade seria diversa da que foi dada pela lei 13.254/16. Daí o desvio de finalidade do ato administrativo, para não se dizer da impossibilidade de sua edificação quando se imaginam os eventuais efeitos penais, notadamente a violação ao princípio da anterioridade resultante da acessoriedade administrativa na tutela penal econômica.
Atos administrativos discricionários devem ser coerentes com a finalidade expressa na respectiva norma de competência. A esse respeito, já mencionou Hely Lopes Meireles14:
“A finalidade do ato administrativo é aquela que a lei indica explicita ou implicitamente. Não cabe ao administrador escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos. Neste particular, nada resta para escolha do administrador, que fica vinculado integralmente à vontade legislativa.”
A utilização de ato administrativo para fim diverso daquele previsto em lei é ilegal por implicar desvio de finalidade e usurpação de competência pela autoridade que os editou. Nesse sentido, a jurisprudência de nossos Tribunais é unânime ao cassar atos administrativos ilegais, incompatíveis com a respectiva finalidade, a exemplo do que concluiu o STJ no julgamento do REsp 931.368: “A ilegalidade desponta, de plano, pelo evidenciado desvio de finalidade do ato administrativo (…)” (STJ, REsp 931.368-RS, Min. Herman Benjamin, 2t, 20.08.2009, DJ 04.05.2011)15
De outra sorte, atos normativos editados pela Receita Federal do Brasil são, também, mecanismos de proteção dos direitos fundamentais do contribuinte, como já afirmou Humberto Ávila:
“(…) Os atos normativos funcionam como instrumentos garantidores de segurança de orientação e, precisamente por isso, não podem deixar de proteger a confiabilidade inerente ao seu próprio funcionamento. (…)”16
Assim sendo, “Perguntas e Respostas” divulgadas em um ADIn não podem ser perversamente utilizadas para amesquinhar direitos dos contribuintes e, o que seria pior, com efeitos retroativos. A segurança jurídica e o dever de proteção da confiança legítima exigem a estabilidade dos atos jurídicos perfeitos17, como a adesão ao RERCT. Essa proibição fica ainda mais patente quando se contrapõe os direitos e garantias de ordem penal, tendo em vista o impacto da quebra da anterioridade do ato administrativo com efeitos (ainda que derivados) penais.
5.A necessária contenção de eventual arbitrariedade: o art. 146 do CTN e o direito à justa distribuição do ônus da prova
A derradeira percepção a ser tida é que, nesse quadro de imbricação tributária, cambial e penal, toda e qualquer tentativa de inversão do ônus da prova acaba por esbarrar no conteúdo do art. 146 do CTN e no direito à justa distribuição do ônus da prova.
A adesão ao RERCT pelos contribuintes é ato jurídico perfeito praticado de boa-fé e em conformidade com a lei e os critérios interpretativos vigentes à época, inclusive com as orientações divulgadas no texto original do Perguntas e Respostas. Uma mudança de orientação da administração pública somente pode ter eficácia em relação a casos futuros, nos termos do art. 146 do CTN. Isto é medida para preservar a estabilidade das relações jurídicas e os atos jurídico perfeitos, como apontou, em seu tempo, Sampaio Doria.18 Nessa esteira também é a sumula 227 do Tribunal Federal de Recursos: “A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão de lançamento.”
Note-se, ainda, que o STJ, em decisão recente, afirmou que “(…) no sistema tributário vigente, a revisão dos atos administrativos não pode ser admitida de forma indiscriminada, observando-se que a modificação empreendida sobre a interpretação tributária gera efeitos ex nunc, ou seja, somente pode ser considerada para os fatos geradores ocorridos posteriormente à sua introdução, a impedir que a autoridade coatora atribua à nova interpretação efeito retroativo, o que é vedado pelo art. 146 do CTN, como forma de conferir ao contribuinte maior previsibilidade e segurança jurídica.”19 Essa decisão reflete a jurisprudência consolidada da Corte há mais de uma década.20
Por expressa previsão da lei 13.254/16, o ônus da prova é do Fisco21 – o que é coerente com a multidisciplinariedade do RERCT, à medida que, em matéria penal, o dever de provar a autoria e a materialidade do delito é sempre da acusação22. Mas, para isso, premissas penais também devem ser observadas, com as suas necessárias limitações. Além disso, o sistema jurídico nacional garante o direito fundamental à justa distribuição do ônus da prova, ou seja: (i) que o acusador apresente prova concreta da materialidade e da autoria do suposto delito; (ii) que o acusado não seja obrigado a apresentar prova impossível, a exemplo da prova de sua boa-fé; (iii) que o ônus da prova seja distribuído com razoabilidade. E, diga-se, isso jamais pode ser flexibilizado.23
Originalmente, o RERCT tinha como objetivo regularizar perante as normas tributárias, cambiais e penais condutas realizadas há décadas. Em diversos casos, talvez a maioria, a licitude da origem dos recursos declarados é prova praticamente impossível.24 Nesse aspecto, a obrigação prévia de construção probatória sobre a licitude dos valores a serem declarados seria exigir prova negativa dos contribuintes, em contrariedade à jurisprudência pacífica do STJ.25
Note-se que os contribuintes somente são obrigados a guardar comprovantes de origem de seus recursos pelo prazo prescricional26, ou seja, pelo prazo de cinco anos do art. 173, I do CTN, quando omitidos das respectivas declarações27. Em tal dimensão, exigir prova negativa seria obrigar o contribuinte, que adquiriu seu patrimônio por herança ou outros meios lícitos, há mais de cinco anos, a comprovar a origem de seus ativos, o que é quase sempre inviável.
Mais uma vez, aqui, todo o alicerce da construção penal parece se fazer presente. Pretender a inversão do ônus da prova esbarra nos princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção à confiança,28 da moralidade administrativa, da vedação do venire contra factum proprium e da presunção de inocência. Limites são postos a uma eventual investigação, e estes decorrem da opção legislativa assumida pelo Estado ao pretender uma política de regularização arrecadatória, na qual, salvo em casos onde estejam presentes outras questões probatórias, o imperativo é de uma verdade construída e pactuada, com a consequente extinção de punibilidade por crimes adesivados ao envio ou manutenção de valores não declarados ao exterior.
6.Os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e segurança jurídica
A sólida fundamentação acima decorrente do Código Tributário Nacional e da própria lei que instituiu o RERCT, lei 13.254/16, tem sua raiz na Constituição Federal.
Atos e instruções normativas não têm o condão de alterar a lei que rege o RERCT, a qual, como todas as leis, deve ser interpretada segundo as demais normas e princípios constitucionais vigentes.
Não por acaso, o princípio da legalidade é o primeiro princípio previsto no art. 37 da Constituição Federal e opera como limite objetivo à atividade da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
No caso concreto, não há norma expressa que tenha vinculado o contribuinte à obrigação de comprovação da origem dos recursos. Bem ao contrário. Uma orientação emitida posteriormente ao ato jurídico perfeito, sem fundamento legal, não poderia produzir efeitos retroativos, ou violaria o princípio da boa-fé. Nesse sentido, é muito significativo o parecer emitido Procuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge, apresentado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.729/DF, que além de defender a constitucionalidade da lei, expressa sua preocupação quanto à segurança jurídica dos aderentes:
“(…) eventual inconstitucionalidade das normas impugnadas significaria afronta ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, vulnerando o princípio da proteção da confiança e gerando insegurança jurídica àqueles que legitimamente forneceram informações pessoais no âmbito do RERCT”. (p. 12)
Também é fundamental destacar a razoabilidade das circunstâncias notórias, que levaram à instituição do RERCT. O Estado optou pela regularização de situações que, via de regra, foram decorrentes do período de instabilidade institucional e econômica que o Brasil atravessou. Logo, não seria razoável29, nem proporcional, exigir de um contribuinte que faça a prova da origem de um recurso aplicado no exterior nos anos 70 ou 80. Não somente pelo transcurso do tempo que desobrigou juridicamente da guarda dos documentos, mas também pela ausência de norma expressa nesse sentido.
Como estabeleceu a lei 9.784/99, a proporcionalidade exige a adequação entre meios e fins, de modo que a imposição de obrigação aos particulares seja adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). Assim sendo, o STF concluiu que “o princípio da proporcionalidade (…) acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.”30
Impor a todos contribuintes o dever de prova da licitude dos recursos remetidos ao exterior não seria medida apropriada, nem justificável. Ao contrário, é dever da administração pública cotejar os elementos envolvidos nos casos concretos, levando-os em consideração para dar o deslinde mais razoável/proporcional às situações específicas.
Os princípios contidos no art. 37 da Constituição Federal são as únicas balizas possíveis para a opção legitimamente feita pelo legislador, que visou garantir a efetividade da lei e a ampla adesão dos contribuintes, buscando a máxima arrecadação e a regularização de maior número de ativos.
Ainda, é de se destacar que a lei não impede que os órgãos públicos interessados, nos limites de suas competências, instaurem processos administrativos e investiguem a atuação de contribuintes. Mas estes nunca poderiam se valer de uma orientação posterior ao ato jurídico perfeito para embasar a pretensão de inversão do ônus da prova.
A conclusão lastreada nos princípios da legalidade, moralidade, razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e segurança jurídica garante ao contribuinte aderente ao RERCT que não há obrigatoriedade de comprovação dos recursos, bens ou direitos declarados como de origem lícita, o que não impede a investigação pelo Estado, sendo ônus da prova da Receita Federal do Brasil demonstrar que as informações declaradas são falsas.
7.Conclusões
A única conclusão adequada é que o ADIn 5/18 não alterou as premissas fundamentais do RERCT, nem a lógica posta ao ônus da prova (tanto que o texto da resposta 40 não foi modificado), nem tampouco a presunção de licitude dos recursos declarados.
Assim sendo, a inclusão das notas 2 e 3 veiculada pelo ADIn 5/18 apenas elucida o conteúdo art. 4º, §12º, incisos I e II da lei 13.254/16. Isto é, se houver elementos probatórios suficientes é possível a instauração de procedimento de oficio, nos termos do art. 4º, §12º da lei 13.254/16. Exclusivamente nessas circunstâncias específicas a RFB pode intimar o contribuinte para comprovar a origem lícita dos recursos.
Como visto anteriormente,31 a presunção de licitude dos recursos não significa que o interessado possa prestar declaração falsa sem qualquer consequência, ou que nenhuma fiscalização possa ocorrer quanto à origem dos recursos enviados ao exterior. O Fisco deve sim instaurar procedimento investigatório para averiguar a origem dos recursos, desde que tenha elementos probatórios suficientes para ilidir a presunção de licitude da lei 13.254/16. E, consequentemente, o contribuinte poderá ser intimado para comprovar a origem lícita, em respeito ao contraditório e ao devido processo legal. Qualquer tentativa de imputar ao contribuinte o ônus de provar a licitude dos recursos com base em indícios vagos seria ilegal e arbitrária, atentatória à segurança jurídica e vedada pelo art. 146 do CTN, bem como pela vedação ao desvio de finalidade do ato administrativo. Mais do que tudo, enfim, implicaria absoluta imprestabilidade dos dados ofertados ao Estado, pois, ainda há de se esperar coerência e lealdade deste para com seus contribuintes e, no caso, possíveis declarantes.
1 RERCT sujeita-se a todas as normas do CTN e aos princípios constitucionais tributários.Tanto é assim que toda a regulamentação do regime foi feita pela Receita Federal do Brasil.
2 Isso se deve, em grande medida, ao fato, por exemplo, do Direito Penal se mostrar utilizado, desde algum tempo, de forma secundaria e como medida de reforco ao Direito Economico e Tributario. SILVEIRA, Rernato de Mello Jorge. Direito penal empresarial: a omissao do empresario como crime. Belo Horizonte: D’Placido, 2016, pp. 37 e ss. Mesmo assim, e de se ver que ja se mencionou que o RERCT cuida em verdade, de um lei penal encoberta. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-Diniz, Eduardo. Repatriação e anistia: consideracoes criminais sobre a prestacao de informacoes (disclosure) em ambito de tax compiance. Repatriação e crime. Aspectos do binomio crise economica e direito penal. Belo Horizonte: D’Placido, 2016, pp. 172 e ss.
3 FERREIRA NETO, ARTHUR M.; PAULSEN, Leandro. A lei de “repatriação”: regularização cambial e tributária de ativos mantidos no exterior e não declarados às autoridades brasileiras. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 73.
4 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge e SAAD-DINIZ, Eduardo. Op. cit., p. 194 e ss.
5 Admitida a anistia para sonegação fiscal, inclusive previdenciária, falsificação de documentos públicos, privados e cartões de crédito ou débito, uso de documento falso, evasão de divisas, ocultação ou dissimulação de origem, localização, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, direta ou indiretamente provenientes de infração penal, operação de câmbio não autorizada, evasão de divisas.
6 As mencionadas perguntas e respostas, que assumiram papel vinculante, mostravam-se, sim, com inegável característica de acessoriedade administrativa, influenciando na própria interpretação penal. Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Crise econômica e reflexos penais: leis penais em branco, compliance e regularização de ativos. Repatriação e crime. Aspectos do binomio crise econômica e direito penal. Belo Horizonte: D’Placido, 2016, pp. 97 e ss.
7 Cf., sobre a questão da presunção de veracidade, SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Op. cit., pp. 198 e ss.
8 Há alguns acordos que permitem a troca de informações, com destaque para a Convenção Multilateral de Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária (Decreto nº 8.842/2016), o acordo de intercâmbio de informações para fins tributários coma Argentina, bem como outros dois com os Estados Unidos da América (um acordo para intercâmbio de informações tributárias e outro acordo de cooperação intergovernamental para melhoria da observação tributaria internacional e implementação do Foreign Account Tax Compliance Act – FATCA) e os recentes acordos com Suíça (Decreto-legislativo 276/2018) e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (Decreto-Legislativo 277/2018), para intercâmbio de informações tributárias.
9 Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Op. cit., pp. 201 e ss.
10 Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Op. cit., pp. 182 e ss.
11 Temos, no caso concreto, a interpretação de Ato Declaratório Interpretativo (ato administrativo) conforme a lei que instituiu o RERCT, que se assemelha à interpretação conforme a constituição”, explicada pelo Ministro Luis Roberto Barroso: “1) Trata-se de escolha de uma interpretação de norma legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita.
2)Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto.
3)Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.
4)Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara legítima determinada leitura da norma legal.”BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora– 6° ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189.
12 Situação bastante próxima foi vista na Espanha, em 2017, quando do julgamento da declaração de inconstitucionalidade do respectivo programa espanhol, a chamada declaração tributária especial – DTS – (STS 8 junio 2017), onde entendeu-se que, não obstante reconhecida a inconstitucionalidade daquele programa de regularização, tendo por base da segurança jurídica não haveriam de ser suscetíveis de revisão as situações produzidas sob os efeitos do pactuado entre Estado e declarantes.
13 “A exemplo das leis penais benéficas em sentido estrito, também as normas tributárias, definindo infrações tributárias simples e respectivas sanções, retroagem, se benéficas, para favorecer o infrator.” DORIA, Antonio Roberto Sampaio. Da lei tributária no tempo. São Paulo: 1968, s.l, p. 310-338.
14 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 135.
15 No caso analisado pelo STJ foi cassado alvará concedido para funcionamento de estabelecimento que desenvolvia atividades ilícitas: “Seja por ilicitude do seu objeto, seja por não se revestir da forma, modo ou solenidade prescritos na legislação, sofre de nulidade absoluta e insanável – defeito de natureza permanente, a se renovar a cada momento, dia a dia, que, por isso mesmo, não convalesce pelo decurso do tempo – a autorização ou licença para ação, obra ou atividade que se choca com a legislação vigente. Nesses casos, incumbe ao Poder Judiciário, além de declarar a invalidade do ato administrativo, ordenar a apuração de responsabilidade disciplinar, civil (improbidade) e penal pela emissão do ato, sem prejuízo do dever, a cargo do particular e do servidor desidioso, de reparar eventuais danos patrimoniais e morais, individuais ou coletivos, dele decorrentes.
16 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª edição São Paulo: Malheiros, 2012, p. 457.
17 “Em matéria tributária, o ato juridico perfeito pode ser tanto aquele que serve como suporte fático para a incidência de normas tributárias (contratos, atos administrativos etc.) quanto aqueles decorrentes da aplicação de normas tributárias e que se aperfeiçoam em favor do contribuinte, mediante determinado regime juridico tipico que depende do concurso de vontade, por meio de anuência, adesão, opçao ou confissão, nos casos de parcelamentos, remissões, anisitias, transações, isenções, regimes especiais.
(…)
Como fica demonstrado, a segurança juridica decorrente do ato juridico perfeito ou do direito adquirido valem e surte efeitos como garantia de permanência no tempo, como regras de eternidade, por serem objeto de cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV da CF) o máximo de proteção constitucional à segurança juridica a que o Estado se obriga.” (TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, P. 443).
18 “Destarte, como ato “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”, na definição legal, o ato jurídico perfeito produz consequências que integram a ampla categoria de direitos adquiridos e no conceito deste se compreendem, não acarretando, pois, dificuldades de monta sua identificação específica, em casos particulares.” DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Da lei tributária no tempo. São Paulo: Obelisco, 1968, p. 110.
19 STJ, REsp 1669310-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1 T, j. 11.09.2018, DJe 27.09.2018
20 STJ, REsp 1303543-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1T, j. 27.03.2012; STJ, EDcl no REsp 1174900 /RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2T, j. 03.05.2011; STJ, REsp 1130545 – RJ, REl. Min. Luiz Fux, 1 S, j. 09.08.2010.
21 FERRAGUT, Maria Rita. Titularidade e origem dos recursos declarados: a quem compete provar a ilicitude, como e quando. In: Regime especial de regularização cambial e tributária (RERCT): aspectos práticos. Coordenado por Eduardo Perez Salusse, Heloisa Estellita. São Paulo: Noeses, 2016, p. 359-366).
22 STF, AP 975-AL, Rel. Min. Edson Fachin, 2T, j. 03.10.2017; HC 97701- MS, Rel. Min. Ayres Britto, j. 03.04.2012.
“O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. – A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. (…). É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. Precedentes. – Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). (STF, HC 73338-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.08.1996).
23 CF, art. 5, LVI, LVII; CPC, art. 369 e s.s.; CPP, art. 156.
24 “Inaceitável a dogmática presunção de legitimidade do lançamento, por caber à fiscalização a prova do fato constituído de seu próprio direito, até porque, na lição abalizada de Marco Aurélio Greco, em muitos casos, pretender que o contribuinte prove que não ocorreu o fato gerador é exigir-lhe uma prova negativa, ou mesmo impossível. À Fazenda Pública, sim, é que incumbe comprovar a ocorrência do fato imponível tributário, a teor do disposto nos arts. 142 e 113, § 1º, ambos do CTN. CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 144.
25 “É firme a orientação deste Tribunal Superior no sentido de que é inviável a exigência de prova de fato negativo. Precedentes.” (STJ, AgInt no AREsp 1206818-SP, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3T, j. 24.04.2018)
“2. Exigir do agravado a prova de fato negativo (inexistência de má-fé) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima produção.” (STJ, AgRg no ARESp 533403-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3T, j. 18.06.2015)
“3. Isso porque, em se tratando de fato negativo (ou seja, circunstância que ainda não tinha ocorrido) a exigência da produção probatória consistiria, no caso em concreto, num formalismo excessivo e levaria à produção do que a doutrina e a jurisprudência denominam de “prova diabólica”, exigência que não é tolerada na ordem jurídica brasileira. Precedente: AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 05/08/2010, DJe 16/08/2010. (STJ, AgRg no AResp 262.594-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2T, 18.12.2012)
26 Art. 195 – Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.
27 Súmula STJ 555: “Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”
28 5. (…) A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. (…) (STF, RE 566621, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 04.08.2011)
– “Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso de remir a pena do sentenciado, legítima contraprestação ao trabalho prestado por ele na forma estipulada pela administração penitenciária, sob pena de desestímulo ao trabalho e à ressocialização.” (STF, RHC 136509-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.04.2017, 2¨T)
“11. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada, legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador.” (STF, HC 127483/PR, Relator Dias Toffoli, j. 27.08.2017, Tribunal Pleno)
29 “o Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade” (STF, ADI 1075 MC, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2006 – destacamos).
30 STF, ADI 2551 MC-QQ, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20.0.-2006.
31 SOUZA, Hamilton Dias. Aspectos polêmicos do RERCT, jus/econômico, 29.03.2016.
Hamilton Dias de Souza é fundador e titular da Dias de Souza Advogados Associados.Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Renato de Mello Jorge Silveira é presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.
José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro é presidente honorário do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil.
Migalhas, 11 de junho de 2019 às 17h05
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