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26 de dezembro 2018 às 10H08

Em 2018, STJ destacou-se nos julgamentos de matéria tributária

Por Hamilton Dias de Souza e Daniel Corrêa Szelbracikowski

Ao contrário do que ocorreu em 2017, quando assentamos o protagonismo do STF na definição de temas tributários, em 2018 notamos uma intensa atividade do STJ no julgamento de questões tributárias.

Rememoremos, então, importantes julgamentos de ambos os tribunais superiores responsáveis pela definição e uniformização do Direito Tributário no país.

Logo em março de 2018, o STF deferiu liminar para suspender o artigo 1º da LC 157/16 em causa sob a nossa condução (ADI 5.835). O dispositivo modificou a cobrança do ISS sobre os serviços de administração de fundos de investimentos, consórcios, cartões, planos de saúde e leasing. Ao invés de ser pago ao município onde o serviço é efetivamente prestado, o imposto passou a ser devido ao município do domicílio do tomador, ainda que no aludido território nenhum resquício de serviço houvesse.

Essa alteração implicou a usurpação da competência constitucionalmente deferida ao município da prestação do serviço para a instituição e cobrança do tributo. Também gerou insegurança jurídica em decorrência da indeterminação da LC 157/16 em relação a aspectos essenciais para a identificação do sujeito passivo e do local de ocorrência do fato gerador, criando conflitos de competência entre diversos municípios em função do mesmo fato gerador. A liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) bem apreendeu este último aspecto da controvérsia ao determinar a suspensão da lei complementar.

A decisão é paradigmática e transcende o caso examinado ao abordar o tema da inconstitucionalidade por insuficiência de densidade normativa. De fato, sob o ângulo da segurança jurídica, as normas indeterminadas não apenas geram imprevisibilidade comportamental, mas impedem o controle de legalidade, dificultam a aplicação do Direito e tornam problemática a defesa do direito subjetivo dos destinatários legais. Daí o acerto da decisão.

Em 6 de junho, o Plenário do STF validou o estabelecimento de alíquotas diferenciadas de contribuições sociais e previdenciárias para as instituições financeiras (RREE 656.089 e 599.309). Tema similar deve retornar à pauta do STF por ocasião da análise da ADI 4.101, que discute a majoração das alíquotas da CSLL para as instituições financeiras e seguradoras. Estará em jogo não apenas a possibilidade de diferenciação da carga em função da lucratividade das empresas quando a Constituição apenas permite tal discrimen em função da “atividade econômica” exercida, mas especialmente a definição dos limites e requisitos à utilização de medida provisória em matéria tributária, o que não foi discutido nos extraordinários apreciados neste ano.

Já sob a presidência do ministro Dias Toffoli, foram ao Plenário assuntos tributários de relevo, exemplificativamente: a constitucionalidade (i) da incidência do IPI na mera revenda interna de mercadorias importadas (RREE 946.648 e 979.626); (ii) da glosa de créditos de ICMS pelo estado de destino em decorrência de benefícios fiscais unilaterais concedidos pelos estados de origem (RE 628.075); (iii) do aproveitamento de crédito de IPI decorrente da aquisição de insumos isentos oriundos da Zona Franca de Manaus (RREE 592.891 e 596.614). Porém, não houve tempo hábil para a apreciação desses leading cases, que possivelmente serão julgados em 2019.

Além disso, em 2018 o STF reconheceu a repercussão geral das controvérsias relacionadas à definição da natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal (tema 0985), à incidência do ICMS sobre a venda de automóveis integrantes do ativo imobilizado de empresas locadoras de veículos (tema 1012) e à constitucionalidade de lei municipal que impõe a retenção do ISS pelo tomador de serviço, em razão da ausência de cadastro, na Secretaria de Finanças de São Paulo, do prestador não estabelecido no território do referido município (tema 1020). Todos os casos são de relatoria do ministro Marco Aurélio.

Voltando ao STJ, vejamos os principais temas apreciados pela corte superior.

Em 22 de fevereiro, a 1ª Seção definiu que o conceito de insumo, para fins de creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e Cofins, deve ser aferido pelos critérios da essencialidade ou relevância (REsp 1.221.170). Tal entendimento seguiu posição intermediária sugerida pela ministra Regina Helena, que redundou no estabelecimento das seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas INs/SRF 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins, tal como definido nas leis 10.637/02 e 10.833/03; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Entendemos que o julgamento representa grande avanço na definição do tema, especialmente por invalidar disposições infralegais que destoavam da não cumulatividade própria das contribuições ao PIS e Cofins. Porém, a questão carece de apreciação pelo STF (tema 756), sob o prisma da compatibilidade da vedação a determinados créditos realizada pelas próprias leis 10.637/02 e 10.833/03 com a não cumulatividade prevista constitucionalmente. Entendemos necessário que o STF declare que a não cumulatividade dessas contribuições é ampla, não podendo ser limitada pela legislação infraconstitucional a quem cabe apenas definir os setores de atividade para os quais as contribuições serão não cumulativas, nos termos do disposto no parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição. Definidos os setores, a parte final da norma constitucional tem eficácia plena, não podendo sofrer restrições por parte do legislador ordinário, sob pena de inconstitucionalidade.

Na mesma data a 1ª Seção, por maioria de votos, assentou que o termo inicial da correção monetária de ressarcimento de crédito de PIS/Cofins não cumulativo ocorre somente após escoado o prazo de 360 dias para a análise do pedido administrativo pelo Fisco (EREsp 1.461.607). O entendimento é razoável na hipótese de pedido de ressarcimento de créditos escriturais e desde que não tenha havido qualquer óbice do Fisco anterior ao requerimento. É o que comumente ocorre quando o contribuinte não consegue utilizar seus créditos tributários por ausência de débitos a compensar. Porém, se estiver em jogo créditos não escriturais ou créditos escriturais que não puderam ser aproveitados a tempo e modo na escrita fiscal por restrição do Fisco anterior ao pedido, o entendimento não deve prevalecer. Se o crédito não for escritural, deve ser aplicado o regime da repetição de indébito, materializada na antiga Súmula 46 do TFR, de modo a incidir correção monetária desde o surgimento do direito ao indébito. Ademais, mesmo tratando-se de créditos escriturais, se o óbice do Fisco ocorrer antes do pedido de ressarcimento, a correção monetária é devida desde aquele momento. Afinal, o Estado não pode se aproveitar de sua própria torpeza para enriquecer às custas do contribuinte.

Em 14 de março, a 1ª Seção estabeleceu que o vendedor de boa-fé não pode ser responsabilizado pelo diferencial de alíquota de ICMS (alíquota interna menos a interestadual) em razão de a mercadoria não ter chegado ao destino declarado (EREsp 1.657.359). A posição do STJ é a que sempre sustentamos. Isso porque a fiscalização do itinerário da mercadoria não cabe ao vendedor de boa-fé que tomou todas as cautelas para a realização da venda interestadual (checagem de cadastros estaduais e registros oficiais, recebimento identificado dos preços de venda, emissão regular de nota fiscal etc.). Tal tarefa cabe exclusivamente ao Fisco, somente sendo possível a responsabilização do vendedor quando houver prova de que este participou de eventual ilícito, mediante dolo específico. Fora dessa hipótese, a diferença de imposto deve ser cobrada de quem efetuou o desvio da mercadoria (comprador e/ou transportador).

Em 8 de agosto, a 1ª Seção entendeu que o valor pago pelo contribuinte pelos selos de controle de IPI incidente sobre bebidas caracteriza-se como obrigação tributária principal, razão por que não poderia ser instituído por ato infralegal, sob pena de afrontar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária (REsp 1.405.244). A corte diferenciou a natureza jurídica do valor pago pelos selos especiais, caracterizado como tributo sob a modalidade taxa decorrente do exercício do poder de polícia, da obrigação de afixá-los nos produtos, caracterizada como acessória. A decisão reafirma o entendimento da doutrina de que a natureza jurídica do tributo não se define pelo nomen iures, mas, sim, pelo fato gerador da obrigação. Tratando-se de prestação pecuniária compulsória devida ao Estado em dinheiro e que não decorre de qualquer ato ilícito, a cobrança, ainda que denominada de “ressarcimento”, constitui típico tributo sujeito ao princípio da legalidade.

Em 28 de agosto, a 1ª Turma reiterou seu entendimento no sentido da manutenção do direito ao aproveitamento de créditos de PIS/Cofins não cumulativos relativos às aquisições submetidas à tributação monofásica dessas contribuições, nos termos do artigo 17 da Lei 11.033/2014 (REsp 1.738.289 e 1.740.752). O tema será apreciado pela 1ª Seção (EREsp 1.051.634), considerando que a 2ª Turma possui entendimento favorável à Fazenda Nacional. Esperamos que prevaleça a posição da 1ª Turma, pois a Lei 11.033/2004 é posterior às leis 10.637/2002 e 10.833/2003 e veicula o direito ao creditamento sem qualquer restrição ou distinção entre contribuintes ou tipos de produto. Além disso, não há qualquer incompatibilidade entre a monofasia e o sistema não cumulativo do PIS/Cofins. A monofasia apenas submete a soma de toda a carga tributária da cadeia à técnica de recolhimento único em um dos elos do ciclo econômico (geralmente o primeiro). Não interfere, porém, com o direito constitucional à não cumulatividade desses tributos decorrente diretamente do artigo 195, parágrafo 12 da Constituição Federal, que visa afastar a tributação em cascata encarecedora de produtos e serviços ao consumidor. Não fosse assim, bastaria que o legislador infraconstitucional submetesse todas as cadeias produtivas à sistemática monofásica — mera técnica facilitadora da arrecadação — para driblar o direito constitucional à não sobreposição de incidências tributárias.

Em 12 de setembro, a 1ª Seção definiu a contagem da prescrição intercorrente nas execuções fiscais (REsp 1.340.553). Decidiu-se que o início do prazo de um ano de suspensão do feito ocorre na data da ciência da Fazenda quanto à não localização do devedor ou à inexistência de bens penhoráveis, independentemente de qualquer ato judicial. Além disso, fixou-se que a contagem da prescrição começa automaticamente após o término desse prazo inicial de suspensão do feito. Estabeleceu-se, ainda, a necessidade de efetiva citação e/ou penhora para afastar-se os efeitos da prescrição, não sendo suficiente mero requerimento da Fazenda. Apesar disso, as petições formalizadas no curso do prazo prescricional devem ser processadas, ainda que esgotado o lapso temporal, uma vez que, localizados os bens, considera-se suspensa a prescrição retroativamente à data de protocolo do pedido frutífero. Por fim, decidiu-se que o Fisco só pode alegar eventual nulidade por falta de intimação na primeira oportunidade em que falar nos autos e desde que indicado o prejuízo sofrido que será presumido quando houver vício na intimação acerca da não localização do devedor ou de seus bens. O julgamento propicia segurança jurídica ao contribuinte e à Fazenda Pública.

Por fim, em 12 de dezembro, a 1ª Seção aprovou os seguintes verbetes:

Súmula 622 – a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário. Exaurida a instância administrativa com decurso do prazo para impugnação, ou com a notificação de seu julgamento definitivo, e esgotado o prazo concedido pela administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial;

Súmula 625 — o pedido administrativo de compensação, ou de restituição, não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o artigo 168 do CTN, nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública;

Súmula 626 – a incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada, pela lei local, como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no artigo 32, §1º do CTN.

O acima exposto demonstra que 2018 foi um ano de muitos julgamentos em matéria tributária, com destaque para a atuação do STJ na resolução das disputas entre Fisco e contribuinte à luz da legislação federal.

 

Hamilton Dias de Souza é sócio-fundador do Dias de Souza Advogados Associados, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Daniel Corrêa Szelbracikowski é sócio da Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especialista em Direito Tributário.

Revista Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2018 às 10h08

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