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26 de janeiro 2021 às 11H34

Advogados apontam riscos no endurecimento de sanções para devedores

Legislação brasileira não prevê atualmente prisão para sonegadores

Uma proposta do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) quer aproveitar a Reforma Tributária para endurecer sanções, com possibilidade até de prisão, para quem fraudar impostos, mesmo após a quitação dos débitos com a Receita Federal.

A legislação brasileira não prevê atualmente medidas restritivas de liberdade para aqueles que pagam ou prometem quitar o que devem.

À ConJur, advogados criminalistas e tributaristas consideram as medidas sugeridas equivocadas e contraproducentes. Por outro lado, alguns consideram exagerada complacência a total extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida.

Criminalista do Nelson Wilians Advogados, Fabiana Rocha é contra a proposta do Sindifisco. “Pelo que se vê, atualmente, o objetivo principal da criminalização de infrações fiscais é a recuperação dos valores devidos. Tanto é que a existência da possibilidade do parcelamento do débito tributário, ou, ainda, a sua quitação integral, impactarem diretamente na persecução penal do agente funcionam, sim, como catalisadores para que, ao fim e ao cabo, seja possível alcançar tal objetivo final: recuperação dos valores devidos. Sendo assim, retirar tais possibilidades seria, no mínimo, contraproducente”.

A advogada ainda faz um alerta. “Em qualquer hipótese, é preciso ter muito cuidado ao se defender o recrudescimento de sanções penais. Nesse caso, especialmente, as cautelas tem de ser ainda maiores, visto que existe um grande risco de se criminalizar o mero inadimplemento fiscal e, assim, incorrer em grave situação de validação da prisão por dívida – que é, hoje, salvo expressas exceções, proibida pela Constituição Federal”.

Adib Abdouni, especialista em Direito Constitucional e Criminal, aponta transferência de responsabilidade na proposta. “A proposta referida ambiciona de forma desarrazoada a incidência penal generalizada acerca do simples inadimplemento tributário, como forma de transferir ao cidadão a responsabilidade do Estado por sua incapacidade de executar um sistema eficiente de fiscalização e combate à sonegação fiscal, impulsionada por um confuso e complexo sistema tributário vigente em nosso país”, opina.

Ainda de acordo com Adib, a aplicação da lei penal na esfera tributária deve ficar restrita àqueles casos em que fique demonstrada a “concreta conduta delituosa, decorrente do emprego de mecanismos de sonegação qualificados por artifício fraudulento e doloso, a fim de causar dano ao Erário em benefício próprio, sob pena de se fomentar uma política tributária arrecadatória de contornos penais, o que não se compatibiliza com os preceitos fundamentais constitucionais de proteção ao contribuinte e à limitação do poder tributário estatal”.

Já Daniel Gerber, criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, classifica a proposta como “absurda, e que retrata o quão intervencionista se tornou o pensamento do funcionário público – alimentado mensalmente pelo imposto que deseja erguer ao patamar de fato gerador prisional”.

“Não fosse a absoluta falência do Direito Penal enquanto instrumento de ordenação social econômica, e o desprezo pelo já existente e reforçado Direito Administrativo sancionador, a proposta ainda vai contra um cenário de pandemia mundial, onde o não recolhimento de impostos se tornou, para uma infinidade de micros, pequenos e médios empresários, a única solução para manter aberta a sua empresa”, avalia Gerber.

“Aguardemos sentados o dia em que estes mesmos auditores propugnarão por uma redução salarial de quem recém assume uma função pública, ou pela interrupção dos diversos benefícios que saturam o cofre da União em prol dos concursados. Até lá, infelizmente, o que se tem é a prevalência deste imaginário popular de satanização do empresariado e divinização do Estado e seus membros enquanto únicos defensores da res pública”.

Rodrigo Rigo Pinheiro, especialista em Direito Tributário e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, defende a reforma, desde que haja efetiva simplificação do sistema tributário nacional.

“Desconstruir as complicações interpretativas das leis que a própria Receita Federal cria é fator condicionante para ‘endurecer’ a punição contra os contribuintes. Esse cenário de ‘desejo de punir’ é reflexo natural dos tão aguardados e sucessivos Refis, que acabaram incluindo contribuintes investigados — tais como ‘lava jato’, zelotes etc. Como os acordos livram os acusados de responder a processos por crime fiscal (considerando, claro, que a dívida tenha sido integralmente quitada), a redenção dá a sensação de que a pena do pecado não foi cumprida”, diz Pinheiro.

Renato Vilela Faria, especialista em Direito Tributário e sócio do Peixoto & Cury Advogados, avalia que a prioridade no momento deveria ser outra.

“São diversas as formas que têm sido propostas para enfrentar a crise fiscal no país, especialmente as sugeridas no âmbito das propaladas (e aguardadas) reformas tributárias, no plural. Medidas que visem melhor distribuição de renda e justiça fiscal e impacto social deveriam ter predileção, tais como tributação dos dividendos (necessariamente acompanhada da redução da carga tributária corporativa), melhor e maior fiscalização, limitação dos programas de parcelamento, alteração da tabela progressiva do IR das pessoas físicas e tributação melhor e mais adequada de heranças (em total detrimento das ideias de tributação de grandes fortunas)”, comenta Faria.

O advogado também observa os riscos econômicos da criminalização do não pagamento dos impostos. Ele não vê com bons olhos “as tentativas de querer sufocar o empresário brasileiro ao se objetivar a criminalização pelo não pagamento de impostos”.

“Além dos danosos efeitos relacionados ao sobrecarregamento do Judiciário, é preciso ter clareza do impacto que isso poderá gerar na atração de investimentos e geração de empregos.  A questão se volta ao poder e à efetividade da fiscalização, que hoje conta com medidas cada vez mais restritivas e eficazes quanto ao cumprimento de obrigações fiscais por parte dos contribuintes, sem que isso envolva tornar o empresário réu e a responder por anos a um processo penal”, opina.

O tributarista Daniel Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, concorda com a discussão do tema, mas acredita que a legislação existente já é bastante rígida.

“A sonegação fiscal e a prática de fraude para diminuir o pagamento de tributos já são crimes previstos pelo artigo 1º da Lei 4.729/65. Além disso, é preciso cuidado com uma maior criminalização dessas condutas. Afinal, o Direito Penal segue o princípio da intervenção mínima, segundo o qual ele só deve ser usado em último caso, em especial no Brasil em função da notória precariedade do sistema prisional. No caso de sonegação fiscal, já existem, além das sanções penais previstas (muitas vezes perdoadas com o pagamento do que é devido), pesadas multas punitivas e sanções administrativas. Ou seja, existem sanções de índole não penal que podem afetar gravemente o patrimônio do sonegador ou mesmo o exercício de sua atividade econômica”, diz Szelbracikowski.

O advogado defende ainda a diferenciação entre devedores contumazes e eventuais. “O grande desafio da sociedade é fiscalizar e identificar os grandes sonegadores, os chamados devedores contumazes. Estes, diferentemente dos devedores eventuais e reiterados que são meros inadimplentes tributários, usam o não pagamento de tributos como forma de ganhar mercado ilicitamente, prejudicando enormemente não apenas o erário mas também o ambiente de negócios. Esses devem ser severamente punidos, porém não necessariamente na esfera penal. É uma discussão válida a ser travada no Congresso Nacional”, finaliza.

Diego Henrique, criminalista associado do Damiani Sociedade de Advogados, afirma que a proposta parte de premissa “absolutamente equivocada, de que existiria um elaborado cálculo de custo/benefício na atividade criminosa”.

“Ora, tal cálculo depende de variáveis que o empresariado sequer conhece, como a probabilidade de ser autuado pelo Fisco, o valor da multa, a pena de prisão, a duração de um processo-administrativo e de um processo-crime etc., bem como a necessidade de se ter uma ‘reserva’ destinada ao pagamento do tributo caso fosse descoberto, o que está completamente fora da realidade da prática empresarial no Brasil”, diz.

Para Diego Henrique, a sonegação tem motivação mais pueril do que se imagina. “É fruto da ganância, da incapacidade administrativa ou, por vezes, da necessidade de sobrevivência da empresa (e do empresário), sendo que os cidadãos nem mesmo têm conhecimento da regra que extingue a punibilidade pelo pagamento do tributo devido. Dessa forma, o ‘benefício’ da extinção da punibilidade pelo pagamento é a forma mais eficaz de se obter algum sucesso arrecadatório frente aos sonegadores”.

“Acabar com essa possibilidade causaria ainda mais prejuízo aos cofres públicos. As instituições deveriam estar mais preocupadas em definir uma carga tributária mais justa e bem distribuída e pensar meios eficazes arrecadação ao invés de reverberar discursos punitivistas vazios, como o discurso da impunidade, atribuindo ao sistema penal funções que não lhe são inerentes e fins que jamais serão alcançados por esta via”, complementa.

Tiago Conde Teixeira, tributarista, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, faz a ressalva de que nem sempre o contribuinte age por má-fé.

“Pedir a prisão de qualquer devedor tributário é muito grave. Isso porque nós temos a figura daquele empresário que é de fato sonegador, que age com o intuito de fraude. Quando ocorre fraude, a legislação permite que aquela situação criminal seja deixada de lado caso o contribuinte pague o tributo. Essa é a regra, e assim todos os tribunais têm decidido há muitos anos. Mas há várias hipóteses em que o contribuinte deixa — sem intenção de fraudar o Fisco —  de pagar o tributo e, portanto, não pode ser considerado sonegador. Um empresário pode, por exemplo, optar por pagar seus funcionários em dia, postergando o recolhimento de um imposto que declarou. Isso não é fraude, mas mero inadimplemento tributário. E ameaçar com pena de prisão esse empresário é absolutamente arbitrário e desproporcional”, analisa Teixeira.

Fernanda Tórtima, advogada especializada em Direito Penal, sócia e fundadora no Bidino & Tórtima Advogados, pondera que a discussão precisa ser aprofundada.

“Na verdade, me parece que a questão demanda algum aprofundamento. É possível defender que ou bem a sonegação fiscal não tem dignidade penal e merece ser descriminalizada ou tem, e o pagamento não deveria necessariamente extinguir punibilidade. Talvez uma solução fosse descriminalizar condutas que não tivessem determinadas características, seja em termos de habitualidade, seja em termos de montante. E manter a criminalização (e a punição, mesmo em caso de pagamento dos tributos ou contribuições) das condutas relevantes. É que, na prática, o sistema penal vem funcionando como instrumento de pressão para promover a arrecadação. E isso não é função do Direito Penal.”, analisa Fernanda Tórtima.

Debate Jurídico, 25 de janeiro de 2021

 

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