30 de março 2020 às 10H21
É inovadora a aplicação da teoria do “fato do príncipe” para postergar tributos, conforme decidiu, por analogia, o juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal.
Na avaliação de tributaristas ouvidos pela ConJur, é acertada a consideração do juiz de que atos da administração pública criaram situação de imprevisibilidade por conta da pandemia do coronavírus.
A decisão é excepcional e válida pelo prazo de três meses. Nela, o juiz concede liminar a uma empresa para suspender o recolhimento de quatro tributos, como forma de preservar mais de 5 mil empregos. Assim, não precisará recolher Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Pis e Cofins.
Segundo a doutrina, o fato do príncipe é o poder de alteração unilateral, pelo poder público, de um contrato administrativo. Ou, além disso, medidas gerais da Administração, não relacionadas a um dado contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado. A aplicação analógica do fato do príncipe a relações que não são estritamente de Direito Administrativo também tem causado discussões no âmbito trabalhista.
Para o advogado Daniel Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, embora inédita em matéria tributária, a aplicação “foi uma justificativa jurídica razoável para a suspensão temporária da exigibilidade do crédito, com base no que permite o artigo 151, V, do Código Tributário Nacional”.
A medida, diz, preserva os valores e princípios constitucionais como os da liberdade de iniciativa, valorização social do trabalho, redução das desigualdades e erradicação da pobreza.
Fernando Facury Scaff, advogado e colunista da ConJur, também destaca o uso adequado da teoria do fato do príncipe. “Se empresas não faturam, como vão pagar tributos? Alguém poderia fazer uma pergunta assim: mas por que pagarão se elas não estão faturando? Tributo não é parcela do que fatura? Mais ou menos. Tem tributos que são cobrados mesmo sem faturamento, sem lucro. Acho que é adequado o uso da teoria”, explica.
“Nunca tinha visto Poder Judiciário aplicar essa teoria em casos tributários. O que já vi acontecer é a própria administração pública, por exemplo federal, diante de calamidade local regional, permitir a postergação dos tributos”, afirma o advogado Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Foi o que aconteceu na portaria 12/2012, conforme mostrou a ConJur. De certa forma, diz Vasconcelos, “o Estado reconheceu que havia imprevisibilidade na situação fática que permitia postergar a obrigação do contribuinte. É parecido, mas é o Judiciário que está dizendo, diferentemente do que aconteceu em 2012”.
Para alguns advogados, tanto a decisão quanto a portaria podem ou devem ser revertidas, porque deixam na mão dos estados o pagamento de tributos federais.
Em análise crítica, o professor e advogado José Maria Arruda de Andrade aponta que a portaria de 2012 não foi editada para este novo contexto do coronavírus.
Mas, do ponto de vista estritamente normativo, explica, “os instrumentos [portaria de 2012 e decretações de estado de calamidade] continuam válidos e, muito embora tenham sido editados para o combate a uma determinada e distinta crise, o fato é que a literalidade dos dois atos condiciona as suspensões ao advento de situação de calamidade pública decretada por um estado federado”.
De acordo com Andrade, a previsão de que haveria regulamentação por parte da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional “não afasta a eficácia imediata da medida, seja porque tal regulamentação cumpre apenas a função de tornar pública a lista de estados, municípios e eventuais detalhes procedimentais, seja porque, ainda que necessária à aplicação plena da Portaria, a ausência de sua expedição seria passível de afastamento pelo Judiciário, tendo em vista a urgência e a necessidade de medidas para conter os efeitos econômicos deletérios da crise e o potencial risco ao emprego (tutelado constitucionalmente)”.
Preocupado com a economia dos negócios, o advogado Vinicius Jucá, sócio do TozziniFreire, afirma que a decisão vai abrir precedente para outras empresas. “O que as empresas pedem é só um tempo para pagar, de três meses! Ninguém está pedindo perdão de dívida”, diz o advogado, entendendo que o ato não prejudicará a meta fiscal da União nem afetará o Poder Público.
A advogada Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, destaca a escolha difícil explicitada pela empresa: pagar salários ou tributos. “O juiz está diante de um hard case e a decisão de postergar o pagamento foi a mais acertada, a meu ver, quando se analisam as possibilidades jurídicas e as consequências envolvidas”, opina.
Competência em xeque
Na decisão, o juiz também inova e determina, de ofício, que a empresa emende a inicial para incluir no polo passivo do processo todos os entes com quem mantém relação tributária regular — exceto nos casos em que já tiver impetrado ação individual contra o mesmo.
No entanto, o entendimento dos advogados é de que não cabe ao Judiciário obrigar alguém a litigar.
“Não é dado ao Juiz Federal pressionar o contribuinte a acionar o juízo comum. Também não parece acertado condicionar o contribuinte a preservar todos os empregos”, explica Daniel Szelbracikowski, para quem há jurisprudência no sentido de que decisão condicional é nula.
O advogado Breno Vasconcelos afirma que é curioso que o mandado de segurança tenha sido interposto contra a União, e o juiz mande incluir os estados e municípios com quais a empresa mantém relação tributária.
Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2020, 19h39
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