16 de dezembro 2022 às 9H56
Neste ano de 2022, os credores judiciais da Fazenda Pública Federal foram surpreendidos com as diversas modificações trazidas pelas Emendas Constitucionais nºs 113 e 114, promulgadas em dezembro de 2021, que estabeleceram novas regras ao regime de pagamento dos precatórios federais, as quais estão sendo questionadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 7.047 e 7.064, com pedido liminar, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal).
As alterações trazidas pelas emendas alcançaram o prazo de inscrição dos precatórios no orçamento federal que, desde a Constituição de 1967[1], era o dia 1º de julho de cada exercício financeiro e, com a nova redação do artigo 100, § 5º, da CF/88 dada pela Emenda Constitucional nº 114, o dia final da inscrição orçamentária passou a ser 2 de abril. Com isso, de 2021 para 2022, os credores tiveram dois meses a menos para inscrever seus precatórios no orçamento federal de 2023. E, com toda a burocracia inerente aos processos judiciais, esses dois meses fizeram bastante diferença. Não à toa houve uma considerável redução do valor total de RPVs e precatórios inscritos no orçamento federal de 2023, que foi de aproximadamente R$ 54 bilhões, em comparação com o orçamento de 2022, que foi de aproximadamente R$ 89 bilhões.
Entretanto, a mudança do prazo de inscrição não foi a alteração mais impactante e desfavorável aos credores. O maior impacto decorreu da criação de um subteto de gastos orçamentários com RPVs e precatórios, com vigência até 2026, que equivale ao total das Spacca despesas com precatórios em 2016, atualizado pelo IPCA-E e cujo pagamento observará a ordem de preferência estabelecida no § 8º do artigo 107-A da ADCT, qual seja:
1º. Requisições de Pequeno Valor (RPVs) de até R$ 66 mil reais;
2º. Precatórios alimentares devidos às pessoas com mais de 60 anos ou com deficiência física até R$ 198 mil;
3º. Precatórios alimentares não abarcados no item anterior até o valor de R$ 198 mil;
4º. Precatórios alimentares superiores ao valor de R$ 198 mil;
5º. Precatórios comuns de qualquer valor.
Evidentemente, o subteto de gastos não cobriria a totalidade da dívida de RPVs e precatórios prevista para o orçamento de 2022. Com efeito, em 2022, foram pagos apenas R$ 19,87 bilhões dos R$ 42,17 bilhões de precatórios expedidos até 1º/7/2021, o que não foi suficiente para pagar praticamente nenhum precatório de natureza comum e resultou em um estoque de R$ 22,31 bilhões para pagamento em 2023[2].
Mas, ok. Sem pânico. O credor que não quiser ficar no escuro por anos, sem saber quando receberá seu precatório, poderá fazer um acordo direto com o governo federal e assegurar o recebimento do seu crédito, em parcela única, até o final do exercício seguinte à negociação, bastando, para tanto, que renuncie a “apenas” 40% do seu direito, nos termos do que dispõe o § 3º do artigo 107-A do ADCT.
E, para aumentar a insegurança dos credores, as emendas reinstituíram a “compensação forçada” dos precatórios com débitos fiscais. Tal instituto, que havia sido expressamente declarado inconstitucional pelo STF, em 2013, por ofensa ao princípio constitucional da isonomia[3] (ADI 4357), foi reativado no mesmo § 9º do artigo 100 da CF/88 pela Emenda Constitucional nº 113.
No mais, as emendas instituíram a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) como índice de atualização e juros dos precatórios (artigo 3º da EC 113), de modo que, em todas as discussões e condenações que a Fazenda Pública esteja envolvida, haverá a incidência da Selic uma única vez até o efetivo pagamento, acumulada mensalmente — ao invés da aplicação (de maior rendimento), que ocorria
desde janeiro de 2001, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como correção monetária e de 0,5% ao mês como mora.
Também foi previsto, no § 4º do artigo 107-A do ADCT, instituído especificamente pela Emenda Constitucional nº 114, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentaria a atuação dos presidentes dos Tribunais para o cumprimento deste novo regime de pagamento dos precatórios.
A partir disso, em 25/3/2022, à vista das mudanças trazidas pelas Emendas Constitucionais nºs 113 e 114, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 448/2022[4], que altera o texto da Resolução 303/2019[5]. Na oportunidade, em síntese, o CNJ atualizou e esclareceu o funcionamento das novas regras da sistemática de precatórios relacionadas à nova data de inscrição orçamentária (2 de abril) e à aplicação da Selic, a partir de dez/21, sobre o valor consolidado das dívidas oriundas de condenações judiciais e, também, dos precatórios.
Nesse embalo, em outubro, o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2023 foi disponibilizado pelo Executivo e nele consta que R$ 51,2 bilhões dos precatórios deixarão de ser pagos em 2023. Do total disponibilizado nos limites do subteto de gastos para 2023, que foi R$ 43,3 bilhões, serão direcionados R$ 26,2 bilhões para pagamento das RPVs e R$ 17,1 bilhões para pagamento dos precatórios, nos termos da LOA[6] — valor que nem sequer cobre o estoque de precatórios deixado pelo ano de 2022, o qual — relembra-se — foi de $ 22,31 bilhões.
Neste momento, então, muitos se perguntavam quais precatórios seriam pagos primeiro em 2023: o estoque de 2022 ou os preferenciais de 2023? A resposta veio com a aprovação pelo Plenário do CNJ, no dia 6 de dezembro, do Ato Normativo 0007034-84.2022.2.00.0000, que trará novas alterações para a conhecida Resolução 303/2019. A redação efetivamente acordada pelos conselheiros ainda não foi disponibilizada ao público, mas o relator especificamente citou que as mudanças na resolução possuem a pretensão de que “débitos referentes a precatórios superpreferenciais sejam pagos com preferência sobre todos os demais, de modo que tais débitos, até o limite do triplo do valor das requisições de pequeno valor, terão prioridade inclusive sobre os precatórios não pagos no ano anterior em virtude do regime de limitação de gastos instituídos pela EC nº 114/21”[7].
Assim, em 2023, não haverá pagamento de nenhum dos precatórios comuns atrasados de 2022, tampouco dos precatórios comuns de 2023.
O Ato Normativo aprovado também dispõe, de acordo com o relator, acerca da criação de uma certidão para facilitar e dar mais segurança ao procedimento de oferta de créditos de requisitórios conforme o § 11 do artigo 100 da CF/88, incluído pelas emendas.
Pode-se dizer, inclusive, que este § 11 é uma (ou a única) contrapartida positiva das alterações implementadas pelas ECs 113 e 114, uma vez que ampliou o rol de mecanismos alternativos possíveis para quitação das dívidas públicas federais oriundas de sentenças transitadas em julgado. A partir desta mudança, tem-se que os precatórios podem ser utilizados para quitação de débitos, compra de imóveis públicos, pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial, aquisição de participação societária em ente federativo e compra de direitos disponibilizados por ente federativo.
Esses mecanismos ainda requerem muita regulamentação e aperfeiçoamento, mas já houve a edição de alguns atos a respeito, como os contornos gerais trazidos pelo Decreto nº 11.249/22 ou os procedimentos para compra de imóveis com precatórios trazidos pela Portaria SPU-ME 9.650/2022.
E, por fim, o ano de 2022 termina com a aprovação, pelo Senado, da PEC 32/2022 (PEC da Transição), com a pretensão de alterar o artigo 107-A aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias para assegurar a manutenção do subteto anual de precatórios até 2026, mesmo na hipótese de revogação do teto de gastos, pretendida pelo próximo governo. Resta ver se a Câmara vai alterar essa disposição de alguma maneira, ou, pelo menos, permitir alguma flexibilização a partir dos debates sobre o teto de gastos como um todo[8].
Dito isso, parece que o ano termina como começou: aflição, incerteza e improbabilidade de pagamento das dívidas do Estado.
Thaynara Teixeira Rodrigues é advogada da Advocacia Dias de Souza e presidente da Comissão de Precatórios da OAB-DF.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2022, 9h23
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