29 de dezembro 2015 às 14H39
Na resenha publicada no final do ano passado sinalizamos nossa convicção sobre a necessidade de os tribunais (sobretudo o Supremo Tribunal Federal), definirem os pressupostos teóricos que identificam os conceitos tributários fundamentais aplicáveis para a solução de temas controvertidos. Isso porque, no mais das vezes, dos seus julgados não se pode extrair doutrina que sirva de norte para o exame de controvérsias futuras. Citem-se, a esse respeito, inúmeras questões que embora tenham sido submetidas à Corte Suprema ainda não tiveram fixados o alcance de conceitos ali discutidos como os de renda, faturamento, circulação de mercadorias, não cumulatividade, contribuições etc. Mesmo no que respeita a princípios, a jurisprudência não é clara ao determinar sua abrangência.
A resenha feita mais adiante bem demonstrará o que se afirmou. Além disso, convém referir os precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), antes de sua paralisação por causa da operação zelotes, em março. O tribunal administrativo merece menção especial dada a sua importância, já que é o responsável por julgar a controvérsia em última instância, se a favor do contribuinte.
Confira abaixo os julgamentos relevantes do STF em matéria tributária:
Decreto não pode alterar forma de apuração de ICMS:princípio da legalidade
O tribunal decidiu, em sede de repercussão geral (RE 632.265), que apenas lei em sentido formal pode disciplinar o regime de recolhimento do ICMS por estimativa. Isso significa que, em princípio, decreto não pode inovar em matéria formal como a que respeita a sistemática de apuração e recolhimento de ICMS por estimativa.
Embora a tese central refira-se apenas ao instituto mencionado (regime de estimativa) a Corte sinaliza no sentido de que os parâmetros de recolhimento de tributos (forma e prazo de pagamento), em geral, são matérias que exigem sua disciplina por lei.
Medidas Provisórias: não aos “jabutis”
Na ADI 5.127, discutiu-se se é possível a parlamentares incluir em Medida Provisória matérias que não tenham pertinência temática com o seu tema central. Concluiu o Tribunal haver inconstitucionalidade por usurpação da competência exclusiva do presidente da República para emitir disposições normativas urgentes e relevantes.
A questão cuida dos chamados “jabutis”, emendas parlamentares que alteram medidas provisórias com a introdução de matérias estranhas ao tema central objeto da medida. A interpretação da Corte é relevante e reduz o poder do Congresso Nacional de, através de emendas, criar normas extravagantes utilizando-se de medidas provisórias que estejam pendentes de aprovação. Por se tratar de exceção ao princípio da legalidade não são admissíveis interpretações extensivas. O texto constitucional deve ser interpretado estritamente. Assim, a MP que cuide de imposto de renda, v.g., não pode tratar também de IPI.
Majoração de alíquotas de IR sobre importações incentivadas
No julgamento do RE 592396, foi julgada inconstitucional a majoração de alíquotas do Imposto de Renda incidente sobre as importações incentivadas, promovida por meio da Lei 7.988/1989. Isso porque embora editada em 28 de dezembro de 1989, a norma diz respeito ao exercício de 1990 e teve por base os fatos ocorridos no ano-base de 1989. Para efeito de repercussão geral, foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base, tendo em vista que o fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie”.
Embora o tema tenha sido bem examinado, o Supremo não se pronunciou sobre a superação do verbete da Súmula 584 (“ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”).
Dedução escalonada da correção monetária de balanço – benefício fiscal
Onze anos depois de pautado pela primeira vez foi concluído o julgamento do RE 201.512, declarando-se por maioria de votos a constitucionalidade do escalonamento da dedução da correção monetária de balanço previsto no artigo 3º, I, da Lei 8.200/1991.
Prevaleceu o entendimento manifestado há mais de dez anos no RE nº 201.465, de que a prorrogação do ajuste não representou uma ilegítima e disfarçada espécie de empréstimo compulsório, mas sim um favor fiscal pelo qual optou o legislador.
Ao assim decidir, entendeu o Tribunal ser possível que o método para cálculo do imposto possa conduzir à tributação superior à renda do período. Isso porque tendo havido correção monetária insuficiente e sendo esse fator reconhecido posteriormente, deveria ele ser aplicado ao exercício de forma integral. Não tendo sido, haveria pagamento a maior em um período para compensação nos posteriores, caracterizando empréstimo compulsório. O julgado contraria o conceito de renda.
Não cumulatividade do IPI e alíquota zero
No RE 398365, o Plenário Virtual reafirmou jurisprudência fixando o entendimento de que os princípios da não cumulatividade e seletividade não asseguram o direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero. Assentou-se tese prestigiando a inteligência que a doutrina tem dado ao princípio da não cumulatividade no sentido de que só se deduz o que tiver sido objeto de incidência na etapa anterior do ciclo. Não tendo isso ocorrido na hipótese em tela seria assistemático garantir-se o direito a crédito. Diferente seria se se tratasse de não cumulatividade por dedução na base, caso em que seria deduzido do valor da operação posterior o da anterior. Disso não se trata cuidando-se de IPI e ICMS.
A seguir, veja os temas pautados, mas não apreciados pelo STF:
Prevalência do tratado internacional sobre a lei interna
Outros temas de destaque foram pautados, mas não chegaram a ser apreciados como, por exemplo, o da prevalência de tratado sobre lei ordinária interna. Entendemos, em sintonia com o voto proferido pelo relator, ministro Gilmar Mendes, no RE 460.320, que lei ordinária federal (da União) não pode alterar tratado porque este tem configuração própria de lei nacional, só podendo ser alterado por lei posterior da mesma espécie. Prevalece, portanto, o disposto no art. 98 do CTN, que diz: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. O dispositivo de lei complementar foi recepcionado pela Constituição de 1988 porque dá densidade à cooperação entre os povos, que é princípio fundamental da República nas suas relações internacionais (art. 4º, IX , da Constituição Federal).
Imunidade das entidades beneficentes (matéria privativa de lei complementar)
A matéria é objeto das ADIs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621 e do RE 566.622. Discute-se se é possível que lei ordinária introduza condicionantes para o gozo da imunidade das entidades beneficentes, a par das previstas em Lei Complementar. Há quatro votos no sentido da inconstitucionalidade da lei ordinária. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
A Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso II, estabelece competir à Lei Complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. É entendimento cediço na doutrina de que essa competência exclui igual competência do legislador ordinário. E assim é porque aquela fica sujeita a quorum especial de aprovação (maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional). Se a Carta da República exige lei com esse requisito em virtude da relevância da matéria, não teria sentido que possa ela ser disciplinada, ainda que a título subsidiário, por lei ordinária. Por essas razões, espera-se que o Tribunal conclua pela inconstitucionalidade da lei ordinária que introduziu condicionantes para o gozo da imunidade das entidades beneficentes, não previstas em lei complementar.
Julgamentos esperados para 2016
Outras questões de grande impacto econômico e com repercussão geral reconhecida também se encontram pendentes de apreciação. Por exemplo, o tema da restituição do excesso na substituição tributária do ICMS, na hipótese de a base de cálculo presumida superar a real (RE 593.849); a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins (RE 574.706); e o da incidência do IPI na importação para uso próprio (RE 723.651).
Houve, ainda, uma série de repercussões gerais reconhecidas, das quais se destacam a referente à possibilidade de o CONFAZ conceder a remissão de incentivos Fiscais concedidos sem a sua anuência (RE 851.421); a da incidência do IR sobre juros de mora recebidos por pessoa física (RE 855.091); a inconstitucionalidade da contribuição adicional de 10% ao FGTS, instituída pela LC 110/01 (RE 878.313); e a que diz respeito aos limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio (RE 736.090).
Aguarda-se a apreciação desses temas em 2016. Dados de realidade, entretanto, indicam que a solução desses conflitos ainda pode levar alguns anos.
Com efeito, neste ano o STF reconheceu 50 temas com repercussão geral, mas apreciou apenas 36 dos 319 que aguardavam julgamento. Ou seja, houve saldo negativo de 14 processos. Em agosto de 2014, segundo estimativa do próprio Tribunal, para julgar o estoque então existente seriam necessários mais de doze anos. A continuar nesse ritmo serão necessários alguns anos para que os temas referidos sejam definitivamente apreciados.
O ano de 2015 no Carf
Com relação ao Carf, sabe-se que houve a paralisação dos seus julgamentos a partir de março de 2015, por ocasião do início da operação zelotes. Antes disso, porém, alguns temas foram apreciados, dentre os quais se destacam os seguintes:
Despesas com taxas de cartões de crédito, embalagens e combustíveis não podem ser consideradas insumos para cálculo de créditos de PIS e COFINS devidos por varejistas
No início do ano, o Carf ratificou o seu entendimento acerca do conceito de insumo para fins de creditamento para o PIS e a COFINS, segundo o qual não se deve aplicar o conceito utilizado pela legislação do Imposto de Renda, e nem restringi-lo nos moldes do previsto na legislação do IPI. Com base nisso, o CARF afastou a possibilidade de empresas varejistas aproveitarem, como crédito, os gastos com taxas de cartões, embalagens, combustível e consultas ao SPC e ao Serasa.
Não incidência de contribuição previdenciária sobre stock options
A Receita Federal sustenta que os valores das stock options devem ser considerados salário para fins de incidência da Contribuição Previdenciária. O Carf acolheu esse entendimento em decisões anteriores, mas em fevereiro de 2015 houve precedente divergente, favorável ao contribuinte, o que possibilitará pronunciamento da Câmara Superior sobre a matéria.
Apesar da paralisação dos julgamentos o Carf continuou funcionando para fins de formalização de acórdãos pendentes e exames de admissibilidade. Havia expectativa de que, na reabertura dos trabalhos, houvesse tendência de julgamentos desequilibrados a favor do Fisco. Não foi, entretanto, o que ocorreu.
Com efeito, alguns casos de relevância foram julgados com decisões favoráveis aos contribuintes, dentre os quais se destacam os seguintes:
Possibilidade de compensação de prejuízo fiscal acima da trava dos 30% durante o Regime Befiex
A 1ª Turma da Carf entendeu que o valor do prejuízo fiscal apurado durante a opção pelo Befiex pode ser aproveitado após o fim do referido regime especial. Para tanto, basta que o contribuinte preencha os demais requisitos e respeite o limite temporal imposto pela legislação do programa (6 anos). Em outras palavras, a empresa que apurou prejuízo durante o Befiex poderá não se submeter ao limite de 30% para compensação nos seis anos subsequentes ao término do programa.
Retroatividade benigna da Lei 12.766/2012 (arquivos magnéticos)
A 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção entendeu que, no caso de disponibilização dos arquivos eletrônicos com erros e incorreções, deve ser aplicada, de forma retroativa, a regra punitiva mais benéfica advinda com a Lei 12.766/2012. Isso fez com que a multa, originariamente calculada em 1% sobre a receita bruta do ano autuado, passasse para 0,2% da receita do mês anterior à entrega dos arquivos.
Ágio em reorganizações societárias
Dois casos envolvendo a possibilidade de aproveitamento do ágio foram analisados. A 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção validou, por maioria de votos, o aproveitamento do ágio na operação de aquisição do Banco Cacique. Outro caso em que se admitiu o aproveitamento do ágio foi julgado, por maioria de votos, pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção, envolvendo os Contribuintes BRF e Sadia.
As pautas temáticas da Câmara Superior de Recursos Fiscais estavam repletas de temas bastante polêmicos, como o ágio interno e ágio de privatização; a compensação de Prejuízos Fiscais – Trava de 30%, na hipótese de incorporação; Preço de Transferência; Juros sobre Capital Próprio; Tributação de Lucros no Exterior; e Qualificação da multa de ofício e multa agravada.
Dos temas referidos foi iniciado o julgamento de um caso de ágio de privatização, tendo sido proferido apenas um voto desfavorável ao contribuinte seguido de pedido de vista. Além disso, foi reafirmada a jurisprudência desfavorável ao contribuinte, no sentido de que não há direito à compensação do prejuízo fiscal acima do limite de 30% nos casos de empresa extinta por incorporação, tendo em vista a ausência de autorização legal na hipótese. As demais questões foram adiadas em razão de pedido de vista coletivo. Aguarda-se que os demais temas sejam apreciados em 2016.
Anna Paola Zonari e Hamilton Dias de Souza são sócios dos escritórios Dias de Souza Advogados Associados e Advocacia Dias de Souza.
Revista Consultor Jurídico, 29 de dezembro de 2015 às 14h39
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