28 de janeiro 2019 às 11H54
A recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de manter uma autuação fiscal de R$ 1,7 bilhão contra a Petrobras por bitributação não foi bem recebida pela comunidade jurídica tributária. Especialistas ouvidos pela ConJur foram unânimes na avaliação de que o entendimento do conselho, apesar de recorrente, é equivocado e viola a lei.
A decisão manteve autuação por falta de pagamento de Imposto de Renda e CSLL referentes a empresas controladas com sede na Holanda. O conselho entendeu que o artigo 74 da Medida Provisória 2.158, de 2001, sobre tributação de lucros de controladas e coligadas, se sobrepõe ao tratado, mesmo que acabe gerando bitributação.
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser inconstitucional a tributação de lucros auferidos por controladas ou coligadas no exterior que não estejam em paraísos fiscais. E definiu que a tributação só poderia acontecer depois da distribuição dos lucros aos acionistas. Nos casos de controladas ou coligadas em paraísos fiscais, aplica-se o artigo 74 da MP 2.158, conforme ficou definido no “voto médio” apresentado pelo STF na época.
Já em 2014, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.325.709/RJ, decidiu que, nos termos dos tratados, os lucros auferidos por controladas somente podem ser tributados pelo IRPJ/CSLL no país de domicílio daquela controlada, sendo a sistemática de tributação antecipada prevista no artigo 74 MP 2.158-35/2001 incompatível diante das normas dos tratados firmados pelo Brasil, levando em consideração o artigo 98 do CTN, que afirma a prevalência dos tratados sobre lei tributária interna.
Veja a opinião de especialistas:
Allan Fallet, sócio do Amaral Veiga Advogados Associados
“Como podemos observar, o Carf vem decidindo em casos da Petrobras no sentido de que a norma contida no artigo 74 da MP 2.158-35/01 não incidiria sobre o lucro da entidade estrangeira. Levando em consideração a peculiaridade e o alcance do chamado regime brasileiro de tributação de lucros quando se tem origem em empresas controladas e domiciliadas no exterior, esse ponto de sua incompatibilidade com os acordos de bitributação celebrados pelo Brasil vem sendo discutido de forma crescente no Carf e no âmbito judicial. Ao meu ver, essa matéria encontra-se longe de obter um posicionamento pacífico quando analisamos em conjunto as regras de tributação (CFC) domésticas, entendimentos no âmbito do Base Erosion and Profit Shifting (Beps), Instrução Normativa 1.520/15 e o famoso artigo 7º.”
Daniel Szelbracikowski, sócio do Dias de Souza Advogados Associados
“Essa decisão contraria o entendimento do STJ sobre o tema. Houve um caso da Vale julgado no STJ, e ficou definido, nos casos em que houvesse tratado para evitar bitributação, que não seria possível a incidência desse dispositivo da MP 2158, que antecipa a disponibilização de lucros das empresas controladas ou coligadas no exterior. Essa jurisprudência do STJ nada mais fez do que aplicar corretamente o artigo 98 do Código Tributário Nacional. Este artigo é bastante claro no sentido da prevalência do tratado internacional sobre a legislação interna. Então, parece complicada essa decisão do Carf e é possível que esse tema eventualmente seja levado ao Judiciário. Agora, em relação ao próprio Carf, acredito que não houve modificação de jurisprudência, porque o entendimento deste assunto é antigo. Resta ao contribuinte buscar o Judiciário.”
Georgios Theodoros Anastassiadis, tributarista do Gaia, Silva, Gaede & Associados
“O Carf entendeu que essa norma interna brasileira não colide com o tratado. Simplesmente porque o artigo 7 do tratado, que trata de lucro, não se aplica a uma relação societária. Então, uma empresa controladora no Brasil e uma controlada na Holanda não devem ser enquadradas neste artigo. Isso porque, segundo o Fisco e o Carf, esse artigo só pode ser aplicado em relações comerciais entre duas empresas. Então, se uma empresa no Brasil, por exemplo, compra serviços ou bens de uma empresa na Holanda, o lucro está na Holanda, ela que vendeu. Se não tiver estabelecimento permanente no Brasil, só se tributaria lá na Holanda. Então, o Fisco entende que esse artigo só se aplica em relações comerciais e não relações societárias, como o caso de uma empresa controladora no Brasil e uma controlada na Holanda. Neste caso, uma não vende para a outra. A empresa brasileira controladora simplesmente reconhece a equivalência patrimonial e os lucros da controlada. Discordo desse posicionamento porque independentemente de ser decorrente de uma relação societária, o fato é que a equivalência patrimonial, o lucro reconhecido pela controladora no Brasil é lucro das empresas. Sendo assim, se aplica, sim, o artigo 7, logo não deveria ser tributado no Brasil.”
Luiz Paulo Romano, tributarista do Pinheiro Neto Advogados
“Esse assunto não é necessariamente uma novidade, a posição da Câmara Superior do Carf sobre lucro no exterior tem sido essa, inclusive em vários casos anteriores. Entretanto, é uma decisão ruim e viola os tratados de não bitributação por meio de uma interpretação muito forçada para atender ao interesse do Fisco.”
Bernardo Almeida, tributarista do SMV Advogados e Associados
“A decisão do Carf é altamente contestável, uma vez que faz prevalecer a aplicação do texto da MP frente ao acordo internacional que visa evitar bitributação. Trata-se uma tese, ao meu ver, temerária, ainda que o posicionamento do STF também não seja muito elucidativo. Evidentemente o STF será instado a se manifestar novamente sobre o tema, ainda mais em se tratando de matéria fiscal que envolve arrecadação vultosa. A decisão do Carf poderá trazer insegurança a empresas que possuam controladas e coligadas no exterior, e em um momento econômico de retomada de investimentos isso pode ser prejudicial. Tão importante quanto a judicialização do tema é a revisão por parte do governo, especialmente da PGFN, quanto à tese a ser defendida.”
Ricardo Vicente, sócio do Vicente de Paula Advogados
“Esta matéria vem sendo alvo de diversas controvérsias desde a promulgação da Lei 9.249/95. Em uma análise do histórico da legislação sobre o tema, já se pode verificar a falta de clareza sobre a matéria. Necessário reafirmar o próprio desentendimento interno no Carf, com linhas de pensamentos extremamente opostas, a um momento narrando que o artigo 74 da MP 2.158-35/01 é incompatível com tratados internacionais, a outro momento dissertando sobre a compatibilidade, determinando a tributação em casos específicos e a excluindo em outros. Enfim, esta recente decisão do Carf configura-se como sendo mais uma prova da extrema dificuldade na uniformização do tema, gerando sobremaneira a insegurança jurídica para os contribuintes.”
Igor Mauler, tributarista
“Existe uma interpretação criativa da Receita. Um entendimento que distorce o artigo 7º dos tratados. De que adianta assinar tratados internacionais se não cumpre? Para tributar o que não poderia. A posição da Receita é antiga e pode ser avaliada como um paradoxo insuperável: diz que o artigo 74 não tributa os lucros da empresa estrangeira, mas os da investidora brasileira. Só que a primeira ainda não os distribuiu à segunda, e o mero registro destes lucros pela investidora brasileira pelo método da equivalência patrimonial é expressamente exonerado de tributação pela lei.”
Dalton Miranda, especialista em Direito Tributário
“Entendo que o posicionamento do Carf não foi correto. Estamos diante de um caso claro de bitributação. O resultado alinhou-se ao entendimento da 1ª Turma da CSRF do Carf, sendo mais um gravoso revés sofrido pela companhia. Em parte, cremos, pelo confuso posicionamento firmado pelo Supremo, que, por certo, reclama revisão. E para a Petrobras resta judicializar o tema. Mas terá a empresa lastro para garantir o juízo? Eis uma importante decisão que certamente repousará à Mesa do governo recém-empossado, pois por derradeiro o prejuízo fiscal tornou-se assunto de Estado.”
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2019 às 11h54
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