06 de janeiro 2020 às 13H12
Legislativo discutirá temas como reforma tributária e remuneração dos conselheiros dos contribuintes
Conselheiros e advogados que atuam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) devem ficar de olho nas movimentações do Congresso Nacional em 2020. Isso porque o Poder Legislativo poderá definir pelo menos três questões de extrema importância para o futuro do tribunal administrativo: a remuneração dos julgadores dos contribuintes, o fim do voto de qualidade e a reforma tributária.
Do ponto de vista institucional, o Carf deve começar 2020 com dúvidas, desafios e avanços. Entre as dúvidas estão o futuro do tribunal frente à promessa de aprovação de uma reforma tributária. Quanto aos desafios, estão a discussão sobre o _m voto de qualidade – que está em pauta no Congresso Nacional – e a paridade salarial entre os conselheiros representantes dos contribuintes e os da Receita Federal.
Os avanços de 2019 também devem ser aprofundados – pela primeira vez em sua história, o Carf conseguiu reduzir os estoques de processos com uso de tecnologia e imposição de metas a serem cumpridas pelos julgadores. A declaração foi dada pela presidente do tribunal, Adriana Gomes Rêgo, em setembro deste ano, durante o V Seminário Carf de Direito Tributário e Aduaneiro.
Segundo dados da assessoria de comunicação do Carf, o tribunal entrará em 2020 com estoque de 115 mil processos. O número ainda é considerado alto, mas vem diminuindo. Atualmente, entram, em média, 4 mil processos e são julgados 4,7 mil casos por mês.
De acordo com a assessoria do Ministério da Economia, um dos fatores que levou à maior produtividade do órgão foi o investimento em tecnologia e uso de inteligência artificial, o que ajudou na triagem de processos, classificação, priorização, formação de lotes, identificação e o julgamento de repetitivos. Em 2019 foram investidos R$ 8,5 milhões e para 2020 estão previstos mais R$ 9 milhões.
Conselheiros
Entre as demandas mais cruciais do Carf estão as relativas aos conselheiros representantes dos contribuintes. Embora os julgamentos dos casos no conselho sejam feitos com igual número de julgadores fazendários e representantes dos contribuintes, há disparidades quanto à remuneração e benefícios. Por isso, os conselheiros dos contribuintes pedem mais direitos para que a função _que mais atrativa e a rotatividade diminua.
Em novembro foi apresentado um substitutivo ao Projeto de Lei 5.474/2016, incluindo temas de interesse dos conselheiros representantes dos contribuintes, como a melhoria na remuneração, férias, licença-maternidade e afastamento por doença e por luto. O texto ainda precisa passar pelas comissões da Câmara dos Deputados.
O substitutivo encampou vários pleitos trazidos em uma proposta da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), mas que não progrediu no Congresso Nacional. A parlamentar tentou passar a matéria via emenda junto à Medida Provisória 893 de 2019, que transformou o Conselho de Atividade Financeiras (Coaf) em Unidade de Inteligência Financeira (UIF). No entanto, na última semana de outubro, o destaque foi retirado pelo tema ser considerado uma matéria alheia à MP.
A ideia central do novo texto é a equiparação salarial entre os conselheiros representantes dos contribuintes e os fazendários. Além disso, há a inclusão de benefícios como licença maternidade, férias remuneradas e afastamento por doença, luto e casamento.
“Não estamos buscando direitos para nós próprios ou para uma categoria específica. Temos mandato, não vamos ficar ad eternum no órgão. Quando vamos atrás de melhorias, visamos o fortalecimento do órgão, dos contribuintes e da sociedade porque poderemos entregar decisões corretas e adequadas”, explicou Wesley Rocha, presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes do Carf (Aconcarf).
Conselheiros ouvidos pelo JOTA afirmam que as demandas de melhorias precisam ser atendidas para a permanência no tribunal administrativo. “Sem essa equiparação, o cargo não fica atrativo. Nos bastidores, parte dos conselheiros já afirmou que aguarda a mudança para definir a permanência dentro do Carf”, afirma uma conselheira entrevistada pelo JOTA e que preferiu não ser identificada.
De acordo com conselheiros dos contribuintes, há um movimento nos bastidores para que a equiparação salarial seja o principal tema da pauta institucional do Carf em 2020. “Muitos conselheiros estão insatisfeitos pela cobrança de trabalho e, ao mesmo tempo, ausência de garantias e contrapartidas, como o bônus, 13º salário e férias. É uma questão de dignidade e permanência de muitos no cargo”, afirmou uma conselheira na condição de anonimato.
Atualmente, os representantes dos contribuintes recebem R$ 11,2 mil por mês e julgam, por ano, um lote a mais de processos em relação aos representantes da Fazenda. Por outro lado, os fazendários podem receber o dobro de remuneração, bônus fixo mensal de R$ 3,3 mil, 13º salário e um lote a menos de processos, devido ao mês de férias.
A visão de representantes dos contribuintes é que o custo-benefício do cargo não fica viável com a diferença de direitos e remuneração dentro do tribunal administrativo. “Temos que preencher formulários, responder e-mails, estudar as matérias, revisar votos e julgar. Trabalho muito mais que oito horas por dia. Sobra tudo para o final de semana. Estou nesse esquema há anos”, afirma um julgador do tribunal administrativo, também na condição de anonimato.
Segundo o ex-conselheiro Demetrius Nichele Macei, que ocupava um cargo na 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, há soluções mais fáceis para o tema. Para ele, uma forma mais simples seria a inclusão dos conselheiros representantes dos contribuintes na classificação de cargos temporários, seguindo o artigo 37 da Constituição Federal, que prevê no parágrafo 9º que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
O ex-conselheiro afirma que no caso do Carf seria necessário alterar o registro dos conselheiros para “auditores temporários”. Com isso, a partir do momento em que acabasse o mandato do julgador, o cargo seria extinto. Com isso, segundo o conselheiro, haveria maior facilidade para adequar a remuneração dos representantes dos contribuintes.
“O governo federal tem essa previsão de serviço temporário e tem fundamento na Constituição. Esse tipo de serviço também é utilizado nas Forças Armadas’, afirmou Macei. Outra solução defendida pelo conselheiro é a de cortar a carga-horária dos representantes dos contribuintes para ser equivalente à remuneração recebida.
O Carf afirmou, via assessoria de imprensa, que, o órgão não pode fazer alterações quanto aos benefícios dos conselheiros dos contribuintes porque elas dependem de mudança em lei.
Voto de qualidade e reforma tributária
Outros dois temas de impacto para o Carf que devem passar pelo Congresso em 2020 são a reforma tributária e o fim do voto de qualidade. O último tema consta no Projeto de Lei 6064/16, que tramita em regime de urgência.
“A reforma tributária vai ser uma mudança brusca no ordenamento, mas ela ainda tem que ser aprovada e, depois passará por regulamentações. Pelos projetos que estão sendo analisados atualmente, os assuntos relativos ao contencioso, por exemplo, serão feitos por lei complementar”, explica o advogado Júlio César Soares, do escritório Dias de Souza.
O advogado Alberto Medeiros, sócio do Stocche Forbes Advogados, espera que o voto de qualidade e seus efeitos sejam revistos. “É completamente injusto e incompatível com a ordem constitucional que o contribuinte tenha contra si mantido crédito tributário fundado em interpretação divergente e duvidosa da lei tributária”, afirma.
O fim do voto de qualidade, entretanto, é tema polêmico no Carf. Defensores da metodologia apontam que a Fazenda Nacional, ao contrário dos contribuintes, não podem acessar a Justiça em caso de derrota no tribunal administrativo.
Segundo respostas enviadas pela assessoria de imprensa do Ministério da Economia, o Carf precisa aguardar as alterações legislações relativas à reforma tributária e ao voto de qualidade. Por isso, ainda não vai se manifestar institucionalmente sobre os assuntos. No entanto, o órgão destaca que estará preparado quando os processos decorrentes da reforma tributária chegarem ao contencioso.
Advocacia
Do ponto de vista da advocacia, a principal preocupação em relação ao Carf em 2020 centra-se em matérias controvertidas no colegiado e o respeito às decisões judiciais vinculantes ao processo administrativo.
Na análise do tributarista Fábio Cury, para 2020 o Carf deve manter uma tendência de uniformizar os entendimentos no plenário. O advogado acredita que o Comitê de Súmulas da Administração Tributária Federal (Cosat) deverá ser reformulado de forma a ficar mais paritário – na primeira versão apresentada pelo Ministério da Economia, não havia
participação de representantes dos contribuintes. O Ministério da Economia comunicou, via assessoria de imprensa, que a agenda do Cosat ainda não foi retomada pela pasta.
Com a reformulação do Cosat, Cury acredita que deve aumentar o número de entendimentos consolidados sobre os assuntos tributários. “O que a gente espera de tendência é tentar padronizar um pouco mais os entendimentos, o que é positivo porque dá segurança jurídica”.
Quanto às matérias, o advogado Douglas Guidini Odorizzi, do escritório Dias de Souza Advogados, elenca alguns assuntos que ainda são polêmicos no Carf. Um deles é a multa qualificada em caso de aproveitamento de ágio com o uso de empresa veículo. “Acredito que esse é um tema que deve gerar discussões na 1ª Turma da Câmara Superior”, explica. O reflexo tributário das mudanças previdenciárias trazidas por reformas trabalhistas também deve aparecer na 2ª Seção, assim como a incidência de PIS e Cofins sobre o arrendamento mercantil.
Outro tema aguardado se relaciona à aplicação, no Carf, de posições do STF e do STJ em caso de repercussão geral e repetitivos. “Quando é o momento de aplicar a decisão judicial. Aguarda acórdão? O trânsito em julgado? Embargos? Isso precisa ser melhor definido”, afirma Odorizzi .
Em 2019, o Carf aplicou entendimentos diversos à decisão do STF quanto aos créditos de produtos isentos da Zona Franca de Manaus. De acordo com decisão do STF, as empresas podem compensar produtos isentos vindos da região incentivada. Para alguns conselheiros, a decisão do STF ainda não pode ser considerada definitiva, pois a Fazenda Nacional apresentou embargos e, portanto, eles não se vêem obrigados a se vincularem, segundo o regimento.
Outro tema em destaque no Carf para 2020, segundo a advogada Anamaria Prates Barroso, será a discussão de casos de Direito Penal Tributário. Ela explica que já houve julgamento no Carf que admitiu provas obtidas de forma ilícita para manter a cobrança tributária. “É necessário, para o crime de sonegação fiscal, por exemplo, que haja a constituição definitiva do crédito, que só ocorre quando vencidas todas as fases administrativas fiscais”, afirma Anamaria.
Para o advogado Alberto Medeiros, as novas regras de contabilidade estabelecidas na Lei 12.973/2014 devem resultar em casos inéditos que terão as discussões mais polêmicas no Carf. Isso porque a lei altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).
Para Bruno Teixeira, do TozziniFreire Advogados, um dos destaques de 2020 será a consolidação das discussões relativas aos insumos que geram créditos de PIS e Cofins. “O Superior Tribunal de Justiça forneceu as balizas, por meio da tese da essencialidade e relevância, agora cabe ao Carf operacionalizar esse entendimento”, afirma o advogado. Para ele, apesar do assunto não ser recente, ainda pode gerar grandes impactos para os contribuintes.
O JOTA entrou em contato com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para que o órgão pudesse dar as suas impressões sobre o que esperar do Carf em 2020, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Jota Info 06 de janeiro de 2020 às 12:02
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