16 de abril 2018 às 16H58
No dia 22 de fevereiro, foi concluído, perante a 1ª Seção do STJ, o julgamento do Recurso Especial 1.221.170. Nos termos da decisão, proferida pelo relator, ministro Napoleão Nunes, em 10/4/2014, o recurso encontrava-se submetido à sistemática dos recursos repetitivos para que fosse definido o “conceito de insumo tal como empregado nas Leis 10.637/02 e 10.833/03 para o fim de definir o direito (ou não) ao crédito de PIS e COFINS dos valores incorridos na aquisição”[1].
O julgamento, iniciado em setembro de 2015, chegou ao fim após dois anos e meio de debates, e aguarda-se a publicação do acórdão. Após votos-vista por parte da maioria dos ministros, acredita-se, nos termos das discussões firmadas, que o STJ tenha conceituado insumo, para fins de apuração de créditos de PIS e Cofins, como sendo todo bem ou serviço considerado “importante e inerente” para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. De acordo com o entendimento do STJ, deverão ser considerados “insumos” todos os custos e as despesas que, de acordo com critérios de essencialidade ou relevância, sejam indispensáveis para a obtenção do faturamento[2].
Apesar de o STJ ter fixado o critério com base na “essencialidade ou relevância”, é importante esclarecer que as palavras possuem significados distintos. Essencial é tudo aquilo que é imprescindível, fundamental, que não pode ser ignorado ou deixado de lado. Relevante é tudo aquilo que é pertinente, importante, que tem valor ou se destaca em comparação a outras coisas. Não nos parece que os termos possam ser utilizados como sinônimos, ainda mais quando se trata de definir quais custos e despesas podem, ao longo do processo produtivo, gerar créditos a serem abatidos da base de cálculo de tributos federais. Ser imprescindível é diverso de ser importante, e espera-se que o inteiro teor do acórdão possa esclarecer a extensão de ambos os termos.
Durante o julgamento no STJ, surgiram considerações a respeito do fato de o Carf já adotar o critério da essencialidade para decidir pela possibilidade ou não do creditamento de custos e despesas. De fato, aqueles que acompanham a rotina de julgamentos do Carf, especificamente das turmas que integram a 3ª Seção e da 3ª Turma da Câmara Superior, sabem que processos envolvendo créditos de PIS e Cofins não cumulativos costumam monopolizar as pautas de julgamentos, em razão da aplicação do critério da essencialidade.
Isso porque os contribuintes costumam considerar a maioria (senão a totalidade) de suas despesas e custos como “essenciais ou relevantes”, apurando créditos relativamente a quase todos os seus dispêndios mensais, sejam eles usuais ou não. A Receita Federal, por outro lado, tende a restringir a possibilidade de creditamento, permitindo a apuração basicamente sobre itens que integram o “produto final” ou são consumidos durante a fase final do “processo produtivo”. Tais entendimentos, por serem antagônicos, levam a fiscalização a glosar diversos itens considerados na base de cálculo do crédito, surgindo extensas autuações, que precisam ser solucionadas pelos conselheiros do Carf glosa à glosa, com base no critério da essencialidade.
Assim, fixado o critério pelo STJ, que já era seguido pelo Carf, resta saber: a essencialidade ou a relevância do custo/despesa é um critério válido ou eficaz para dirimir as dúvidas do contribuinte, da Receita Federal e dos próprios julgadores sobre o que pode, ou não, ser inserido no cálculo do crédito de PIS e Cofins não cumulativos? Conforme será visto, não, ao menos isoladamente.
Primeiramente, ao imaginar que custos e despesas são essenciais ou relevantes, assumimos, em contrapartida, a existência de despesas irrelevantes ou desnecessárias. A alta tributação e os altos encargos, além da falta de incentivo, de infraestrutura, e de uma política fiscal transparente, encarecem demasiadamente a industrialização e a prestação de serviços, fazendo com que o empresariado sobreviva com a margem de lucro achatada ao máximo. As empresas brasileiras podem se dar o direito de sustentarem despesas irrelevantes ou desnecessárias?
Obviamente que há, no dia a dia das empresas, despesas incorridas por mera liberalidade do empresário. Mas como medir o grau de relevância ou de essencialidade, mesmo da despesa tomada por liberalidade? Como saber se determinada despesa tem impacto na formação da base de cálculo do PIS e da Cofins tendo em vista que o critério de apuração do crédito não é o mesmo do IPI ou do IRPJ e, portanto, a despesa pode estar apenas indiretamente ligada à produção, mas impactar no faturamento obtido?
Em segundo lugar, como fazer com que o critério da essencialidade seja objetivamente atendido? Como os julgamentos podem não estar sujeitos a concepções pessoais dos julgadores, que podem divergir a respeito do que é ou não essencial, ou relevante, frente a determinado processo produtivo?
No Carf, a análise da jurisprudência nos mostra que o critério da essencialidade surgiu do critério “relacional”. Ainda em agosto de 2014, a Câmara Superior julgou o PA 10247.000002/200663, conferindo a empresa de celulose direito a crédito sobre diversos custos e despesas, tendo sido o Acórdão 9303-003.069 ementado no sentido de que “insumo (…) deve ser entendido como todo custo, despesa ou encargo comprovadamente incorrido na prestação de serviço ou na produção ou fabricação de bem ou produto que seja destinado à venda, e que tenha relação e vínculo com as receitas tributadas (critério relacional), dependendo, para sua identificação, das especificidades de cada processo produtivo”.
Após análise da evolução legislativa quanto ao PIS e à Cofins, inclusive considerando a jurisprudência do STF a respeito do alargamento da base de cálculo das contribuições, o voto condutor do mencionado acórdão afirmou que “a linha mestra de interpretação quanto às despesas que geram créditos de PIS e COFINS só pode ser uma: se o legislador quis alcançar todas as receitas (com as limitações previstas em lei), justo que todas as despesas incorridas para gerar tais receitas devem ser passíveis de creditamento (respeitadas as limitações previstas em lei)”. Com base nesse entendimento, a Câmara Superior do Carf, em 2014, afirmou que “o critério é relacional entre despesas incorridas e receitas auferidas e tributadas, considerando o processo de produção específico de cada indústria”.
Foi com base no critério relacional que a Câmara Superior, naquela ocasião, concedeu o direito ao crédito não apenas para despesas e custos diretamente relacionados ao produto, mas também para despesas e custos “indiretos”, os chamados “insumos dos insumos”. O critério foi estabelecido no sentido de que todas as despesas e os custos incorridos para gerar receitas devem ser passíveis de creditamento, respeitadas as limitações previstas em lei.
O critério da essencialidade surgiu perante a Câmara Superior praticamente dois anos depois, quando, no julgamento do PA 18088.720015/201282, a 3ª Turma, já com composição diversa, analisou o critério relacional estabelecido no Acórdão 9303-003.069, alterando o seu sentido[3]. Nesse segundo momento, a Câmara Superior do Carf enxergou que a “linha relacional” desembocava, consequentemente, no critério de essencialidade, sendo que a essencialidade sequer havia sido citada no Acórdão 9303-003.069.
Portanto, o Carf estabeleceu, em um primeiro momento, (i) o direito a crédito com base no critério relacional, permitindo o creditamento de todas as despesas e custos incorridos, com exceção dos vedados em lei; (ii) após, o próprio Carf interpretou o critério relacional dando ênfase ao aspecto da essencialidade, permitindo o crédito de despesas às quais a produção ou a prestação de serviços dependa “diretamente”, recorrendo, para isso, à jurisprudência do STJ; (iii) após, o STJ, no julgamento do Recurso Repetitivo 1.221.170, recorrendo também à jurisprudência do Carf, fixou o critério da essencialidade ou relevância como parâmetro para reconhecimento do direito a crédito.
Voltemos, portanto, à pergunta colocada acima. O critério da essencialidade é um critério válido ou suficiente em si mesmo para solucionar o impasse a respeito de quais bens e serviços podem ser levados em consideração para fins de tomada de créditos de PIS e Cofins?
Conforme mencionado pelos ministros do STJ, a essencialidade já norteava os julgamentos perante o Carf. É possível encontrar, na jurisprudência do conselho, casos em que os julgadores divergiram sobre os itens a serem creditados. Por exemplo, em precedente a respeito de indústria alimentícia, o direito ao creditamento do custo com a aquisição dos uniformes dos funcionários que atuam na linha de produção, cuja utilização, diga-se, é obrigatória pela legislação sanitária, foi reconhecido por 6 votos a 4, enquanto que o custo com a lavagem e higienização dos mesmos uniformes foi negado pelo voto de qualidade.
Assim, percebe-se, inicialmente, que a essencialidade não é um critério válido e suficiente. Ora, tratando-se de indústria alimentícia, pressupõe-se que tanto a aquisição de uniformes quanto sua assepsia sejam indispensáveis para a produção, mesmo porque a atividade é regulada por normas sanitárias que assim exigem.
Nesse ponto, importante que se tenha em mente que, após a não cumulatividade do PIS e da Cofins ter sido elevada a nível constitucional, a Carta Magna constitui pressuposto de validade das regras legais que instituem as referidas contribuições. A EC 42/03 alterou o texto do artigo 195 da Carta Magna, incluindo o parágrafo 12 ao mencionado dispositivo, que passou a determinar que “a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas”.
De acordo com tal dispositivo constitucional, caberia à legislação infraconstitucional apenas definir os setores da economia que se sujeitam ao regime não cumulativo do PIS e da Cofins, nada mais. Foi por essa razão que o ministro Luiz Fux, no acórdão proferido pelo Plenário Virtual do STF, em que foi reconhecida a repercussão geral da questão[4], afirmou com propriedade que “o texto da EC 42/03, ao cuidar da matéria quanto ao PIS e à COFINS, referiu que “a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos inciso I, b; e IV do caput, serão não cumulativas” (CF art. 195, §12), deixando de registrar a fórmula que serviria de ponto de partida à exegese pontuada, ou qualquer outra”. Na ocasião, acertadamente afirmou o ministro Luiz Fux que “as restrições previstas nas referidas leis, a limitar o conceito de insumo na tributação sobre a receita, requerem a definição da amplitude do preceito previsto no §12 do art. 195 da CF”.
Enquanto se aguarda a definição pelo STF, não há espaço para restrição à não cumulatividade. Com exceção das restrições já previstas na lei, nenhuma outra, principalmente decorrente de interpretação das normas, deve obstaculizar o direito ao crédito. Ainda que ao Carf e ao STJ seja vedada a análise de argumentos relativos à constitucionalidade das normas, fato é que ambos os tribunais devem interpretar a lei à luz do disposto na norma constitucional que a legitima.
Portanto, a partir do momento em que foi inserida no texto constitucional, a não cumulatividade para o PIS e a Cofins não pode mais ser interpretada exclusivamente pelas prescrições das leis 10.637/02 e 10.833/03. Passou a ser imprescindível verificar a conformação das disposições contidas nas leis ao ditame constitucional, e isso significa que a fruição plena da não cumulatividade não pode esbarrar em condições ou restrições que afrontem o regime de apuração integral dos créditos.
A vedação ao crédito gerado pelos gastos com pagamento de bens e serviços que, a despeito de não estarem (i) explicitamente descritos na legislação, (ii) diretamente inseridos na fase final do processo produtivo, ou (iii) diretamente ligados à prestação do serviço, mas que são necessários à obtenção ou ao incremento do faturamento e ao desenvolvimento da própria atividade fim, viola a não cumulatividade prevista constitucionalmente.
Assim, acreditamos que a palavra-chave para a definição do conceito de insumo quanto ao PIS e à Cofins seja não a “essencialidade”, mas, sim, a “desoneração”. Esse, aliás, foi o intuito do próprio governo federal ao alterar o regime de apuração das referidas contribuições de cumulativa para não cumulativa, vale dizer, desonerar o faturamento dos contribuintes inseridos em tal regime de apuração, proporcionando o crescimento acelerado da economia brasileira (o que naturalmente vai de encontro à vedação de créditos). Tal assertiva é confirmada pela leitura das exposições de motivos que originaram a MP 66/02 (convertida na Lei 10.637/02), bem como a MP 135/03 (convertida na Lei 10.833/03):
“1.1. O principal objetivo das medidas ora propostas é o de estimular a eficiência econômica, gerando condições para um crescimento mais acelerado da economia brasileira nos próximos anos. Neste sentido, a instituição da Cofins não-cumulativa visa corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas, em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes – em particular empresas de pequeno e médio porte, que usualmente são mais intensivas em mão de obra. (g.n.)” (exposição de motivos da MP 135/03).
Ora, se o objetivo era modernizar a forma de cobrança das contribuições, que deixariam de incidir em um sistema cumulativo para passar a incidir apenas sobre o valor agregado, não faz nenhum sentido imaginar que, em uma indústria alimentícia, seja permitido o creditamento do custo de aquisição de uniformes, ao passo que seja vedado o custo com sua lavagem e higienização. Ou seja, a validade da não cumulatividade, segundo a própria gênese do regime, passa pela impossibilidade de vedação de créditos a tal ponto que seja instituída cobrança sobre algo que não seja, efetivamente, o valor agregado.
Não há dúvidas de que juízes e desembargadores, bem como auditores fiscais e conselheiros do Carf, deverão sempre examinar as nuances do caso concreto, inclusive adotando o critério definido pelo STJ em sede de recurso repetitivo. O critério da essencialidade ou relevância, fixado pelo STJ, representa grande avanço para a definição da questão, pois evidencia o equívoco cometido pela Receita Federal ao aproximar o critério válido para as contribuições àquele utilizado para apuração de créditos sobre insumos no IPI.
Porém, os julgadores deverão ter em mente que o critério da essencialidade ou relevância não serve, isoladamente, de baliza à definição do conceito de insumo para o PIS e a Cofins. Se assim for, o reconhecimento do direito ao crédito ficará sempre sujeito a concepções pessoais de julgadores, conforme visto acima.
Enquanto aguardamos a definição do Tema 756 de repercussão geral pelo STF, a direção a ser seguida é aquela da desoneração, própria de regimes não cumulativos, como acertadamente considerou a Câmara Superior do Carf ao fixar o critério relacional, no Acórdão 9303-003.069, quando afirmou que “todas as despesas incorridas para obtenção das receitas tributadas deveriam ser consideradas como ‘insumo’ para fins de creditamento”, respeitadas as limitações e exceções previstas na própria legislação.
[1] https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=34887768&num_registro=201002091150&data=20140422&formato=PDF.
[2] Ao final do julgamento, a tese jurídica fixada, para efeito do artigo 543-C do CPC/1973, foi: “O conceito de insumo deve ser aferido a luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer considerando-se a importância que determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
[3] O acórdão proferido no PA 18088.720015/201282 afirmou: “Nessa linha relacional, para se verificar se determinado bem ou serviço prestado pode ser caracterizado como insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS, impende analisar se há: pertinência ao processo produtivo (aquisição do bem ou serviço especificamente para utilização na prestação do serviço ou na produção, ou, ao mesmo, para torna-lo viável); essencialidade ao processo produtivo (produção ou prestação de serviço depende diretamente daquela aquisição) e possibilidade de emprego indireto no processo de produção (prescindível o consumo do bem ou a prestação do serviço em contato direto com o bem produzido). Portanto, para que determinado bem ou prestação de serviço seja considerado insumo gerador de crédito de PIS e COFINS, imprescindível a sua essencialidade ao processo produtivo ou prestação de serviço, direta ou indiretamente, bem como haja a respectiva prova. Não é diferente a posição predominante no Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece, para a definição do conceito de insumo, critério amplo/próprio em função da receita, a partir da análise de pertinência, relevância e essencialidade ao processo produtivo ou à prestação do serviço. O entendimento está refletido no voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques ao julgar o recurso especial n° 1.246.317/MG”.
[4] Repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo 790.928/PE.
Júlio César Soares é associado na Advocacia Dias de Souza e especialista em Direito Tributário.
https://www.conjur.com.br/2018-abr-12/julio-soares-problemas-conceito-insumo-piscofins
*Veículo:* Conjur, 12 de abril de 2018 às 16h58
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