14 de janeiro 2020 às 18H40
Segundo a Receita Federal são R$ 18,93 bilhões em autuações e mais de 3 mil procedimentos fiscais abertos
A Lava Jato tornou-se a operação mais famosa do Brasil pelos complexos esquemas de corrupção e pelos altos valores envolvidos nas transações. Devido à circulação de dinheiro destinado a crimes como lavagem, propina e remessas indevidas ao exterior, a Receita Federal entrou em campo para analisar também os prejuízos tributários ao país e tentar resgatar valores aos cofres públicos.
De acordo com dados do Plano Anual da Fiscalização 2019 da Receita Federal são R$ 18,93 bilhões em autuações e mais de 3 mil procedimentos fiscais abertos, entre fiscalizações e diligências – ações destinadas a coletar informações de interesse da administração tributária.
Assim como na área penal, a Operação Lava Jato vem movimentando a esfera tributária. Enquanto na esfera penal as acusações são de corrupção ativa, fraude processual, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, as autuações fiscais ocorrem principalmente por dedução indevida de tributos, pagamentos sem causa, omissão de receitas, creditamento irregular e operações de importação inexistentes.
Os casos têm chegado ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tem dado, em sua maioria, respostas negativas às empresas. Segundo a assessoria de imprensa da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), mais de 49 processos já foram julgados nas turmas ordinárias, e pelo menos dois chegaram à Câmara Superior – em todos os casos houve a manutenção dos lançamentos tributários, que muitas vezes vêm acompanhados de uma multa de 150%, aplicada quando há fraude ou dolo.
A Receita Federal vem cobrando tributos sobre as propinas pagas e sobre as remessas de dinheiro ao exterior disfarçadas de importações. O órgão também cancelou compensações tributárias que foram feitas a partir de quantias destinadas a subornos e enquadradas pela empresa como “despesa necessária”, assim como por serviços pagos e não prestados. No entanto, as empresas recorrem ao Carf na tentativa de diminuir os altos valores cobrados pelo fisco.
Concomitância
Na análise de fontes consultadas pelo JOTA, o Carf tem adotado posturas rígidas em relação aos processos da Lava Jato. Inclusive, na opinião de tributaristas, o tribunal vem mudando entendimentos sobre certos assuntos. É o caso, por exemplo, da cobrança simultânea de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) quando o beneficiário do pagamento não é conhecido e não há motivo jurídico para aquele pagamento ser feito, como por exemplo, um contrato entre as partes.
De uma forma geral, nos processos julgados, o que tem se visto é a manutenção da dupla tributação para as empresas envolvidas na Lava Jato.
O Carf tinha precedentes de que a concomitância dos tributos configurava uma dupla cobrança, portanto, uma delas tinha que ser afastada. Prova disso é o fato de este ter sido o único tema relacionado à Lava Jato que subiu à Câmara Superior do Carf, por meio de um recurso da SOG Óleo e Gás julgado em 7 de novembro. De acordo com as regras do tribunal, só podem subir à Câmara Superior assuntos que tenham sido alvo de entendimentos opostos no conselho.
“Antes desse bloco de processos da Lava Jato, a tese da concomitância de IRPJ e de IRRF já era conhecida. Depois, a gente começa a perceber mudanças”, afirma Leandro Cabral e Silva, do escritório Velloza Advogados.
A Fazenda Nacional discorda do raciocínio. Para Moisés de Sousa Carvalho Pereira, coordenador da atuação da PGFN no Carf, não houve mudança de entendimento em decorrência dos processos da Lava Jato. “A jurisprudência do Carf sempre admitiu a concomitância de IRRF [pagamento sem causa ou a beneficiário não identificado] e IRPJ [glosa de despesas]”, explicou.
No último dia 12 de novembro, a JBS foi condenada a pagar os dois tributos em uma autuação no valor de R$ 204 milhões, sem as correções. Na ocasião, parte dos julgadores acatou a tese da defesa de que nos autos havia planilhas provando o pagamento da propina e com os nomes dos beneficiários do suborno, como os políticos Delcídio do Amaral e Silval Barbosa e o doleiro Lúcio Funaro.
A ideia da defesa era mostrar que o beneficiário é identificado, portanto, quem recebeu já pagou os tributos; e que o pagamento teve causa, afastando, assim, o artigo 61, da Lei nº 8.981/95. O dispositivo determina que todo pagamento efetuado por pessoas jurídicas a beneficiário não identificado fica sujeito à incidência do IRRF na alíquota de 35%. Outra parte dos conselheiros foi contrária e se filiou à tese de que o pagamento era ilícito e as planilhas eram da empresa, o que não confirmava se essas pessoas foram, de fato, as beneficiárias do dinheiro.
“No caso da Lava Jato o pagamento sem causa ocorre em razão do pagamento de diversos serviços que foram contratados e não foram executados. O objetivo era captar recursos para pagamento de vantagens ilícitas. Nisso, a fiscalização verifica que os serviços não foram prestados e glosa a despesa”, explica Márcio Henrique Prata, tributarista do escritório Sacha Calmon.
As pessoas físicas investigadas pela Lava Jato também têm sido condenadas a pagar tributos. No último dia 21 de novembro, o Carf condenou o doleiro Lúcio Funaro, preso em 2016 por desvios na Caixa e em fundos de pensão, a pagar R$ 6,4 milhões. O empresário foi autuado por ter recebido depósitos de origem não comprovada e pela falta de indicação na declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) das movimentações realizadas.
Colaboração premiada
O Carf vem mantendo a tributação e as multas sobre valores que as empresas e as pessoas físicas devolveram após realizarem colaboração premiada ou acordos de leniência. Em um julgamento envolvendo a PEM Engenharia Ltda, em 20 de fevereiro, por exemplo, os conselheiros entenderam que as quantias têm natureza distinta e não podem impactar a apuração de tributos de períodos já encerrados. Neste processo, os autos de infração contra a empresa somavam R$ 33,8 milhões, relativos aos anos de 2012 e 2013.
“A constância da multa qualificada nos processos da Lava Jato ocorre porque, via de regra, os casos envolvem dolo, fraude. Ou seja, não são casos de simples questões tributárias”, defende Moisés de Sousa Carvalho Pereira, da PGFN.
As provas emprestadas dos processos penais têm sido aceitas nos julgamentos do Carf, a despeito das reclamações das defesas. No julgamento da SOG na Câmara Superior, por exemplo, a defesa pediu a nulidade do acórdão por conta do uso de provas compartilhadas dos autos da Operação Lava Jato para lavrar o auto de infração fiscal. Porém, o colegiado não acatou e entendeu que é possível o compartilhamento.
“A questão da prova emprestada foi superada. Há decisão do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba que autoriza o compartilhamento de provas com a Receita Federal e a PGFN”, afirma Moisés de Sousa Carvalho Pereira, da PGFN.
Responsabilidade
A responsabilidade é um dos temas em que as empresas e os gestores estão conseguindo algumas vitórias no Carf. No dia 11 de dezembro, o tribunal excluiu a responsabilidade tributária de Marcelo Odebrecht e uma autuação de R$ 763 milhões por sonegação e fraude de tributos entre os anos de 2011 a 2014. O colegiado entendeu que Marcelo estava desligado da Construtora Odebrecht em 2010, antes dos fatos apurados pela fiscalização.
“O fato de existir um esquema fraudulento não faz com que diretores e controladores sejam presumidamente responsáveis por solidariedade, a respeito de todo e qualquer auto de infração. O que a gente percebe é que não existe uma preocupação por parte da Receita em comprovar que as pessoas físicas, por exemplo, agiram com excesso de poderes ou contrariamente à lei, bastando, para serem responsabilizadas, estarem presente no quadro societário da empresa, o que é errado”, defende Júlio César Soares, sócio do escritório Dias de Souza.
As instituições bancárias também têm conseguido afastar a responsabilidade solidária. Dos 11 casos julgados até julho de 2019, oito foram favoráveis às empresas, segundo levantamento do escritório Velloza Advogados. Os bancos foram autuados porque são os responsáveis, por lei, pela retenção dos impostos.
Nas acusações fiscais consta que os bancos não agiram com a devida diligência, portanto, são responsáveis solidários pelo não pagamento dos tributos. As autuações referem-se às operações de câmbio contratadas pelas empresas investigadas. As companhias teriam simulado importações para enviar dinheiro ao exterior sem os descontos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e do IRRF. Em um julgamento do dia 11 de junho de 2019, por exemplo, o banco Confidence conseguiu afastar a responsabilidade em um operação do gênero.
Na análise do advogado Leandro Cabral e Silva, o êxito dos bancos está associado à comprovação do cumprimento das regras do Banco Central relativas ao combate de lavagem de dinheiro e terrorismo. “O sistema financeiro também foi vítima da ação criminosa profissional desvendada após anos de investigação por equipes da Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal”.
A Receita Federal vem dando continuidade às fiscalizações em andamento com procedimentos abertos no âmbito da Lava Jato. Segundo informações da Receita Federal, até dezembro de 2018 eram cerca de 650 ações fiscais ainda em curso. Em paralelo, as equipes da Receita centradas na Operação Lava Jato vêm compartilhando com outras unidades a expertise adquirida para outras operações.
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