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03 de dezembro 2019 às 15H01

Empresas tentam amenizar, no STF, efeitos de decisão sobre ICMS na cesta básica

O mérito da questão está resolvido, mas empresas querem a modulação dos efeitos da disputa milionária

 

As empresas do ramo alimentício e de supermercados brigam no Supremo Tribunal Federal (STF) para amenizar os custos gerados pela perda de uma ação na corte superior em 2014. Trata-se do caso envolvendo créditos de ICMS gerados a partir de diferenças de alíquotas estaduais em produtos da cesta básica. As companhias já interpuseram dois embargos de declaração com intuito de diminuir o período a ser pago e, consequentemente, o valor. No primeiro, elas saíram derrotadas por unanimidade. O segundo entrou no plenário virtual do STF no dia 29 de novembro e fica até o dia 5 de dezembro.

De um lado os fiscos estaduais esperam receber valores de até de R$ 700 milhões, do outro, grandes companhias já separaram os valores a serem pagos, mas esperam diminuir a quantia destinada aos tributos. Algumas empresas devem desembolsar mais de R$ 800 milhões. Embora ainda caibam recursos, estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal continuaram a autuação fiscal no decorrer do processo no STF e já começaram as cobranças.

A ação de referência é do grupo alimentício Santa Lúcia S/A e do estado do Rio Grande do Sul. O recurso extraordinário (RE) 635.688, com repercussão geral, foi julgado em 16 de outubro de 2014, quando o plenário do STF determinou que as empresas não podem utilizar integralmente créditos de ICMS previstos em convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para produtos da cesta básica sem que eles estejam ratificados por lei específica estadual.

A decisão afeta principalmente companhias do segmento alimentício e de supermercados. Grandes corporações como a BRF, o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour colocaram em seus balanços a provisão do pagamento do montante. A BRF e o Carrefour, por exemplo, provisionaram cerca de R$ 800 milhões. Já para o Grupo Pão de Açúcar o valor aproximado é de R$ 200 milhões. Segundo fontes ouvidas pelo JOTA, diante das cifras milionárias, o que as empresas esperam é a diminuição dos valores a serem pagos para evitar um rombo contábil.

A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) informou, via assessoria de imprensa, que ainda não é possível mensurar o impacto da decisão do STF para o setor. No entanto, a entidade afirmou que os produtos da cesta básica ficarão mais caros. A Abia espera que o STF aceite os pedidos dos embargos em julgamento para amenizar a situação para o setor. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) não quis comentar o caso.

Fiscos estaduais

Do outro lado, as secretarias estaduais de fazenda contam com a entrada do montante em suas receitas como forma de melhorar a arrecadação, principalmente em estados com crise fiscal.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, espera incremento de receita de R$ 600 milhões. O caso tem tamanha importância para o estado que o governador Eduardo Leite e o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa se reuniram com o relator do processo, o ministro Gilmar Mendes, em Brasília, um dia antes do julgamento dos primeiros embargos, em maio deste ano. Entre os temas conversados estava a incidência de ICMS sobre itens da cesta básica. O encontro foi noticiado na página oficial de comunicação do estado.

Segundo a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, o estado iniciou a cobrança dos valores desde a negativa dos primeiros embargos de declaração interpostos pelos contribuintes.

A PGE gaúcha informou ainda que a maioria dos processos possuía carta fiança ou seguro garantia, portanto o Estado intimou a empresa a pagar o valor sob pena de a seguradora ou o banco efetivar o depósito da importância correspondente. Afirmou ainda que a PGE fez chamamento de empresas para celebrar acordos, como parcelamentos, uma vez que os valores são altos.

“A PGE tem buscado realizar tratativas com cada empresa devedora para facilitar, administrativamente, o ingresso desses recursos e também evitar excessiva onerosidade sobre a disponibilidade financeira do contribuinte”, informou a nota enviada pela assessoria de comunicação do órgão.

O estado de São Paulo deve receber em torno de R$ 700 milhões relativos aos anos de 2002 a 2018. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda do estado, as autuações fiscais continuaram sendo feitas, mesmo com o processo judicial em curso. Em relação aos débitos constituídos, a pasta informou que eles encontram-se em discussão judicial ou inscritos na dívida ativa, e cabe à PGE paulista adotar as medidas em âmbito judicial.

A Secretaria de Fazenda do Distrito Federal espera receber R$ 1 bilhão relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019. Assim como as outras secretarias, o estado também já iniciou as cobranças.

De acordo com o tributarista Tiago Conde Teixeira, os estados têm a prerrogativa de cobrar desde o julgamento de 2014. “No entanto, como ainda têm possibilidade de modulação dos efeitos, algumas secretarias de fazenda estaduais esperaram um tempo maior”, explica.

Mérito

No Supremo o mérito da questão já está resolvido. As empresas tentam diminuir o montante a ser pago às secretarias de fazenda estaduais, por isso, os embargos servem para modular os efeitos, já que as companhias querem diminuir o período que os estados têm para fazer o cálculo da cobrança.

Pela decisão do STF, os fiscos estaduais podem cobrar por todo o período, já as empresas e as associações querem que a cobrança seja feita a partir do trânsito em julgado do Caso Monsanto, em 2008 (RE 174.478) sobre importação de herbicidas. Na ocasião, o STF mudou a jurisprudência relacionada ao creditamento de tributos. Até o julgamento do caso Monsanto o STF tinha posicionamento pró-contribuinte e admitia o recebimento do valor total do crédito de ICMS recolhido sobre as operações anteriores argumentando que o benefício fiscal não se confundia com isenção.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, colocou a questão em plenário virtual, o que desagradou as empresas, tanto que elas peticionaram pedido para que o julgamento fosse a plenário, com chances de novas sustentações orais. Até o fechamento desta edição o pedido não tinha sido deferido.

Futuro

Caso o STF não module os efeitos, especialistas ouvidos pelo JOTA afirmam que as empresas ainda podem interpor novos embargos e tentar ganhar mais prazo e uma terceira tentativa de discutir o período da cobrança. No entanto, a defesa dos contribuintes devem ponderar se os recursos não podem ser entendidos pela Suprema Corte como protelatórios, o que pode gerar multas.

“Por princípio processual você não pode litigar de forma temerária, não pode litigar de forma protelatória. Se a parte quiser protocolizar, ela pode, mas tem que tomar cuidado com a aplicação de multa”, explica Júlio César Soares, advogado associado da Advocacia Dias de Souza.

Por fim, especialistas destacam que o resultado dos embargos do RE 635.688 pode ser um indicativo de como o STF deve tratar os embargos do RE 574.706, interpostos pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para modular os efeitos do julgamento que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. “O interessante é que um RE a modulação é pró-contribuinte e, em outro, pró-fisco. Vamos ver como o Supremo vai se comportar”, instiga o advogado Eduardo Arrieiro, sócio no Arrieiro e Dilly Advogados.

O julgamento dos embargos do RE 574.706 estava previsto para o dia 5 de dezembro, mas foi retirado de pauta.

Jota Info, 03 de dezembro de 2019 às 05h32

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