31 de janeiro 2012 às 14H36
Tem sido noticiado um grande esforço da União para aprovar proposta de redução das alíquotas interestaduais do ICMS a um patamar que, na prática, desestimula a concessão de qualquer incentivo na distribuição de produtos e serviços tributados a outros Estados. Num primeiro momento, as novas alíquotas seriam aplicáveis aos produtos importados e, num segundo momento, aos nacionais. Em contrapartida, seria criado um fundo de desenvolvimento regional destinado a ressarcir as possíveis perdas dos Estados decorrentes da redução de alíquotas do ICMS.
A proposta é questionável, por criar uma distinção inadmissível entre produtos nacionais e importados e por retirar parte da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, em troca de repasses federais geralmente insuficientes, como comprovam os embates constantes em torno do ressarcimento das perdas com a desoneração do ICMS nas exportações.
Seria mais adequado enfrentar a real causa do problema que o governo federal se propôs a resolver: a concessão de incentivos sem autorização unânime de todos os Estados, que se convencionou chamar de guerra fiscal.
Os estímulos configuram mecanismo eficaz para induzir investimentos em locais menos desenvolvidos.
A solução passa pela reforma da Lei Complementar nº 24/1975, que impõe a unanimidade nas deliberações acerca da concessão de incentivos de ICMS. A regra tornou-se anacrônica, diante da necessidade de viabilizar programas estaduais de incentivos fiscais destinados a desenvolver, entre outros, os setores industrial, comercial e de infraestrutura. Os incentivos têm sido a única forma eficaz de reduzir as desigualdades regionais e sociais, um dos objetivos fundamentais da República e princípio da ordem econômica previstos na Constituição de 1988 (arts. 3º, III e 170, VII).
O poder de veto atribuído a cada um dos Estados e ao Distrito Federal vem impedindo a realização dos objetivos constitucionais. Os interesses individuais têm prevalecido em detrimento do interesse nacional. Não se examina se determinado incentivo é bom ou ruim para o desenvolvimento de Estados ou regiões do país, mas apenas quem pode perder ou ganhar receita. Em decorrência, muitos entes passaram a agir de forma unilateral.
A questão deve ser bem ponderada. Por falta de uma política federal consistente e eficaz de combate às desigualdades regionais, os Estados menos favorecidos recorreram aos incentivos de ICMS para atrair investimentos necessários à melhoria de seus indicadores socioeconômicos.
Por meio dos diversos tipos de incentivos estaduais, os agentes privados foram estimulados a suportar os maiores custos decorrentes da instalação de empreendimentos em locais distantes dos grandes centros, onde geralmente não há infraestrutura nem mão de obra adequada. Essa política gerou desconcentração econômica no país, com reflexos positivos em termos de arrecadação, Produto Interno Bruto (PIB), empregos e índice de desenvolvimento humano (IDH).
Tomando como exemplo os incentivos industriais, recente estudo da Fundação Getulio Vargas avaliou 12 plantas criadas com o auxílio de incentivos estaduais concedidos por oito Estados, responsáveis por 1,2% do PIB nacional em 2010. Constatou-se que, além dos impactos diretos gerados pela implantação e operação das fábricas, há relevantes impactos indiretos e induzidos, por meio das cadeias produtivas e de consumo. No agregado entre os projetos, o impacto sobre o PIB gerado pela implantação se multiplica por 4,4, e o impacto anual gerado pela operação se multiplica por 4. Os impactos sobre o emprego se multiplicam por 85,6 na implantação e 14,1 na operação.
Por exemplo, estudos divulgados pelo IBGE, relativos ao período de 1995 a 2007, mostram que houve redução da participação dos Estados mais industrializados do país (SP, MG, RS, PR, RJ, SC, BA e AM) na indústria de transformação nacional, de 88,7% (1995) para 87,2% (2007). Os mesmos estudos apontam que a soma dos oito maiores PIBs (SP, RJ, MG, RS, PR, BA, SC e DF) foi reduzido de 81,5% em 1995 para 78,7% em 2007 (1% do PIB em 2007 equivale a 26,6 bilhões de reais). Ou seja, os outros 19 Estados tiveram um aumento de 18,5% para 21,3% do PIB.
Por outro lado, o estudo da Fundação Getulio Vargas aponta que, devido às interconexões regionais, os efeitos dos incentivos estaduais se difundem por todo o país, elevando a arrecadação e o PIB nacional, bem como a demanda de bens e serviços de outros Estados, inclusive de regiões mais desenvolvidas. Em decorrência, a interrupção das atividades dos empreendimentos incentivados geraria perdas substanciais para a economia, a população e a arrecadação de Estados e do país.
Considerando os benefícios para a sociedade, dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento indicam que, no período de 1991 a 2007, as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste apresentaram maior crescimento do IDH (24,6%, 16,7% e 14,6%, respectivamente) do que as regiões Sul e Sudeste (13% e 12,5%, respectivamente).
Portanto, a competição fiscal é legítima, desde que observadas as regras existentes. Quando bem utilizados, os incentivos configuram instrumento adequado e eficaz para induzir investimentos em localidades menos desenvolvidas.
Assim, em vez de acabar com os incentivos de ICMS, deve-se procurar regular adequadamente a forma como os Estados e o Distrito Federal deverão deliberar sobre a matéria. A flexibilização do quórum da Lei Complementar nº 24/1975, aliada à criação de sanções específicas para os entes da federação e agentes públicos infratores de suas disposições, tende a eliminar as ações isoladas, proporcionando uma avaliação mais criteriosa quanto à conveniência da concessão de incentivos de ICMS.
Nesse novo sistema, obviamente, eventuais desonerações aprovadas em âmbito geral teriam sempre caráter autorizativo e não impositivo, facultando-se a cada ente tributante optar pela sua incorporação ou não à respectiva legislação interna, como, aliás, já vem ocorrendo na prática.
Dessa maneira, a vontade da maioria seria prestigiada sem agredir a minoria, fortalecendo o pacto federativo e viabilizando políticas estaduais destinadas a promover o equilíbrio socioeconômico objetivado pela Constituição.
Hamilton Dias de Souza é sócio do Dias de Souza Advogados Associados e jurista especializado em questões tributárias, sobre incentivos de ICMS.
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