05 de dezembro 2016 às 12H21
Entre 1960 e 2012, aproximadamente US$ 400 bilhões seriam os recursos não declarados e detidos por brasileiros, enviados ou recebidos no exterior, segundo avaliação da ONG, com sede em Washington, Global Financial Integrity.
Nunca se escondeu que a Lei nº 13.254 de 2016 seria uma das fontes de arrecadação para socorrer a crise econômica do Brasil.
Contudo, muito se tem escrito sobre a base de cálculo do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), tangenciado elementos jurídicos que definem com precisão a finalidade da lei estampada no artigo 6 º.
A Lei nº 13.254 de 2016 cria um sistema próprio para permitir a regularização de ativos não declarados por meio do qual a lei assumiu haver acréscimo patrimonial em 31 de dezembro de 2014 e sobre o valor nessa data previu-se a incidência de tributo (apenas nominado de IR) com alíquota de 15% e multa de igual valor.
A análise literal da norma indica que para fins de adesão ao RERCT, o interessado deva declarar os ativos “de que seja titular em 31 de dezembro de 2014” (artigo 4º). O parágrafo 8º do mesmo artigo determina que a declaração será realizada pelos “valores de mercado”, “presumindo-se como tal”, para os ativos financeiros, “o saldo existente em 31 de dezembro de 2014”.
Vê-se, assim, que a lei não elegeu como base de cálculo apenas o valor de 2014. Foi além. Presumiu que esse valor fosse considerado para o efeito da regularização. Se a presunção é referida apenas ao que existia na data mencionada, não há como agregar à base de cálculo valores anteriores por serem irrelevantes ao aperfeiçoamento da presunção.
De fato, o art. 4º, parágrafo 8º, inciso III, estabelece que o titular de participação em pessoa jurídica estrangeira deva declarar “o valor de patrimônio líquido apurado em 31 de dezembro de 2014, conforme balanço patrimonial levantado nessa data”. Nessa hipótese, não seria materialmente possível que nesse balanço fossem considerados valores anteriores que tenham sido consumidos. E não teria sentido se houvesse tratamento diverso entre pessoas físicas e jurídicas, sabendo-se que muitos se utilizam destas como veículo para seus investimentos no exterior.
O inciso II do parágrafo 8º do artigo 4 º, por sua vez, estabelece que, para as operações de empréstimo, deva ser declarado “o saldo credor remanescente em 31 de dezembro de 2014, conforme contrato entre as partes”. Não abrange os créditos imediatamente anteriores que tenham sido saldados. Tudo indica que a lei foi estruturada de forma a considerar apenas o existente na data tantas vezes referida. Quer dizer, não teria sentido que, relativamente a esse tópico, não se considerassem créditos anteriormente saldados e, para os ativos financeiros, fossem a eles adicionados valores anteriormente consumidos.
Por outro lado, recorde-se que a lei detém, também, um aspecto penal, e que, sob esse viés, faz todo o sentido a consideração da mencionada presunção dos valores existentes unicamente em 31 de dezembro de 2014.
Sob tal perspectiva, o grande benefício ofertado pela lei diz respeito à extinção de punibilidade em relação a determinados crimes vinculados a depósitos não declarados. Tal existência implica, necessariamente, crime de evasão de divisas na modalidade de manutenção de depósitos não declarados no exterior.
Por questão de ordem lógica, para configurar o crime de evasão de divisas na modalidade de depósitos não declarados no exterior, devem-se seguir as premissas dadas pelo Estado na definição da data que deve ser levada em consideração para efeito de declaração em relação a tais depósitos. Assim, considerando-se que o Banco Central estipula, através de suas cartas circulares, o dever de declarar o saldo em 31 de dezembro de cada exercício, tem-se como fundamental unicamente o retrato nesse dia, não importando qualquer movimentação pretérita, sobretudo ao longo do ano avaliado.
É evidente a presunção legal absoluta estampada de acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, ainda que nessa data não exista saldo ou título de propriedade.
O sistema repousa em que, pago o tributo relativo ao apurado presuntivamente em 31 de dezembro de 2014, há direito à anistia penal e à remissão tributária. Embora a anistia penal esteja prevista no artigo 5º da lei e a remissão tributária no artigo 6º, parece claro que o elemento deflagrador da referida anistia é a declaração acompanhada do pagamento do tributo incidente.
Sustentar o critério de realidade, quando a lei inteira está baseada em presunção, não tem nenhum fundamento jurídico, e não está autorizado pela hermenêutica pela simples razão de que a própria lei declarou a sua finalidade (artigo 6º).
A lei não comporta interpretação extensiva, não se podendo alcançar o que nela não esteja previsto, por força dos princípios da tipicidade e da legalidade em matéria tributária e penal.
O momento é de pacificação e de segurança jurídica, devendo haver consciência de que a possibilidade de criação de um novo contencioso nada contribuirá para o sucesso do programa.
Hamilton Dias de Souza é especialista em direito tributário pela Faculdade de Direito da USP
José Horácio Halfeld Rezende Ribeira é presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo
Renato de Mello Jorge Silveira é professor titular de direito penal da Faculdade de Direito da USP
E-mail: horacio@rama.adv.br
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Jornal Valor econômico , São Paulo, 05 de setembro de 2016 às 12h21
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