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06 de dezembro 2013 às 11H52

MP 627: exemplo típico de abuso do poder

Por Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro

A Medida Provisória (MP) 627, de 11 de novembro de 2013, introduziu profundas mudanças na legislação tributária federal. Em cem artigos, são tratados os seguintes temas: efeitos tributários das alterações societárias e contábeis decorrentes das alterações promovidas pela Lei nº 11.638/2007, na Lei de Sociedades por Ações, com a revogação do Regime Tributário de Transição – RTT, instituído pela Lei nº 11.941/2009; tributação de lucros auferidos por intermédio de empresas controladas e coligadas no exterior; tributação de determinados fundos de investimento e o parcelamento de débitos fiscais em condições especiais.

As mudanças promovidas pela MP 627 foram tão amplas que motivaram a apresentação de centenas de emendas pelos congressistas, seja para alterar os dispositivos propostos, seja para incluir outros regulando questões correlatas.

Antes, porém, de examinar se as normas da MP ou as emendas a ela apresentadas são boas ou ruins, é preciso que o Congresso Nacional verifique se foram atendidos os pressupostos constitucionais para a edição das normas propostas, conforme determina o art. 62, parágrafo 5º, da Constituição Federal.

É o fato concreto e não uma mera decisão presidencial que deve ser relevante e necessitar de regramento urgente.

Tal exame se justifica, pois a produção das leis compete, em regra, ao Poder Legislativo. Como, entretanto, podem ocorrer fatos imprevistos cuja normatização não possa aguardar o tempo de tramitação necessário ao exame e aprovação de projeto de lei, sob pena de comprometer a ordem jurídica, econômica ou social, a Constituição prevê que o Presidente da República, “em caso de relevância e urgência”, possa “adotar medidas provisórias, com força de lei”.

Isso significa que a competência legislativa atribuída ao presidente da República é excepcional. Seu exercício depende da ocorrência de circunstância fática claramente delineada (caso) que, por sua elevada importância (relevância), torne necessária a imediata expedição de regra jurídica com força de lei (urgência). A causa da MP deve ser um evento que tenha ocorrido no “mundo real” e não algo do “mundo das ideias”. Razões de mera conveniência política não autorizam o uso de MP. É o fato concreto e não uma mera decisão presidencial que deve ser relevante e necessitar de regramento urgente. E este regramento, de caráter emergencial e precário (posto que sujeito ao exame do Congresso) deve limitar-se a disciplinar juridicamente o fato que originou a MP. E nada mais. Ou seja, a MP deve originar-se de um determinado fato, ao qual devem necessariamente reportar-se todas as suas normas.

Assim, para evitar que o Executivo exorbite de suas funções, determinou a Constituição que, preliminarmente ao exame de mérito das inovações propostas, o Congresso Nacional examine se realmente havia um caso que necessitava ser regulado por MP. Não se trata de análise facultativa ou discricionária. Constatada a ausência dos pressupostos constitucionalmente exigidos, é dever do Congresso rejeitar a Medida Provisória.

A análise da exposição de motivos da MP 627 revela que as normas nela contidas decorreram da mera conveniência política do Poder Executivo. Não se verificou qualquer fato externo ao Palácio do Planalto que, por sua gravidade, tornasse imprescindível alterar, de forma imediata e precária, a legislação tributária. As medidas poderiam ter sido adotadas hoje, amanhã ou depois. Poderiam até mesmo não ser adotadas.

Basta verificar que o RTT foi criado há cinco anos, vigorava por prazo indeterminado e vinha sendo aplicado sem dificuldades. Não havia fato concreto que exigisse regramento por meio de MP. Portanto, a matéria poderia ter sido previamente apreciada e votada pelo Congresso Nacional sem qualquer prejuízo à ordem pública. Tanto isso é verdade que as novas regras tributárias decorrentes dos ajustes promovidos na Lei das S/A só se tornarão obrigatórias a partir de 2015. Ou seja, havia tempo suficiente para a regular tramitação de projeto de lei.

Da mesma forma, deveriam ter sido incluídas em projeto de lei as novas regras de tributação de lucros auferidos no exterior (que também só passam a ser obrigatórias em 2015) e de rendimentos de determinados fundos de investimento, bem como a criação de programas especiais de parcelamento. O Poder Executivo não poderia ter normatizado essas matérias, pois não ocorreram fatos concretos que justificassem o exercício de sua excepcional competência legislativa.

O interesse do governo não se confunde com o interesse público. É este e não aquele que justifica a edição de MP.

Diante do exposto, é evidente que a MP 627 foi editada por razões de conveniência política e não por real necessidade. Consequentemente, a utilização desse veículo normativo pelo Poder Executivo implicou abuso de poder e invasão da competência do Poder Legislativo. Cabe, pois, ao Congresso Nacional cumprir a Constituição Federal e rejeitar a referida MP, por ausência dos pressupostos constitucionais. Somente assim serão preservados o respeito, a harmonia e o equilíbrio que devem permear relacionamento entre os poderes da república.

 

Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro são sócios do escritório Dias de Souza Advogados Associados

 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Jornal Valor econômico , São Paulo, 06 de dezembro de 2013 às 11h52

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