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12 de junho 2025 às 15H48

Órgãos de Controle | Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)

MATÉRIA PUBLICADA NO ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2025

Editora Consultor Jurídico

Data: 11 de junho de 2025

Link para a matéria original: https://anuario.conjur.com.br/pt-BR/profiles/78592e4622f1-anuario-da-justica/editions/anuario-da-justica-brasil-2025

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O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) iniciou 2025 com uma pauta ambiciosa: julgar meio trilhão de reais em créditos tributários. A estimativa, feita pelo presidente do órgão, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, em entrevista ao Valor Econômico, reforça o papel estratégico do tribunal administrativo da Receita Federal no contexto do equilíbrio fiscal traçado pelo governo. Os números de 2024, contudo, acenderam um alerta quanto a essa projeção.

O governo esperava arrecadar R$ 56 bilhões com os julgamentos do Carf, mas os valores efetivamente recebidos ficaram em R$ 847 milhões. A frustração na arrecadação levou a Receita Federal a revisar para baixo a estimativa encaminhada pelo órgão — no valor de R$ 28,5 bilhões — para a lei orçamentária de 2025.

Na avaliação do advogado tributarista Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, a postura adotada pelo governo em relação ao Conselho mostra a incompreensão quanto à natureza jurídica do órgão, que está situado entre o lançamento e a exigibilidade definitiva do crédito tributário, exercendo atividade de controle da legalidade. “Não se pode esquecer que o Carf julga, não arrecada. E julgar demanda tempo, escuta e compromisso com os princípios constitucionais. O verdadeiro desafio do Carf hoje é reafirmar seu papel institucional como órgão julgador, paritário e vocacionado à justiça fiscal”, afirmou ao Anuário da Justiça.

A polêmica sobre a arrecadação se soma à discussão sobre o retorno do voto de qualidade, restabelecido pela Lei 14.689/2023. O dispositivo atribui ao presidente da turma julgadora, sempre representante da Fazenda, o poder de desempatar os julgamentos. Na opinião do advogado André Gimenez, especialista em Direito Tributário do escritório Simões Pires, a medida se mostra prejudicial aos contribuintes por resultar na reversão de algumas teses que vinham recebendo decisões favoráveis, como é o caso da dedução retroativa de juros sobre o capital próprio. “É uma discussão que se arrasta há anos na jurisprudência do Carf, sempre com votos divididos. Com o voto de qualidade pró-contribuinte, em 2020, várias decisões permitiram a dedução. Bastou a volta do voto de qualidade pró-Fisco para que o mesmo órgão revisse sua jurisprudência. O contribuinte, então, perdeu tanto no mérito da questão quanto na segurança jurídica”, disse à reportagem.

Para o advogado Renato Silveira, tributarista e sócio do Machado Associados, a regra decorre de uma opção do legislador e deve ser respeitada, mas ele faz um alerta para a importância de se manter a seguran-ça jurídica. “Em um Estado Democrático de Direito, ganhar ou perder um litígio faz parte do jogo. Agora, a preocupação dos contribuintes deve ser em relação à qualidade dos votos proferidos no âmbito do Carf – o qual, como órgão administrativo de controle de legalidade do crédito tributário e solu-ção de controvérsias, também deve observância aos princípios da segurança jurídica e da certeza do direito, o que não é verificado quando se registram abruptas alterações jurisprudenciais”, ressaltou ao Anuário.

Polêmicas à parte, o Conselho foi responsável por decisões importantes. Em 2024, a Ambev conseguiu afastar uma autuação de R$ 400 milhões com uma decisão inédita do Carf que autorizou a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, independentemente do regime de tributação. Trata-se da chamada “tese do século”.

Outra decisão envolveu a Rede D’Or, maior rede de hospitais privados do país, que tem conseguido vitórias consecutivas no Carf, anulando autuações relativas à contratação de serviços médicos por meio de pessoas jurídicas. Em apenas dois julgamentos, foram anulados R$ 1,3 bilhão em autos de infração. Também foi cancelada autuação de R$ 143 milhões imposta à Cargill, depois que o órgão validou a estrutura de trading internacional da empresa, localizada em paraíso fiscal.

Chegou ao Carf a questão do eventual impacto tributário decorrente do furto de energia elétrica, o chamado “gato”. Um dos casos foi o da distribuidora Light, que tenta deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) os prejuízos decorrentes de “gatos”. A tese aguarda definição da Câmara Superior.

Já em deliberação definitiva, o Carf manteve a cobrança de R$ 58,8 milhões sobre 17 contêineres roubados no Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro. Segundo informou o site Consultor Jurídico, o relator do recurso, Laércio Uliana, entendeu que não houve cuidado da empresa responsável na segurança dos contê-ineres, uma vez que a saída da mercadoria do terminal foi autorizada por seus empregados.

O ano de 2024 foi marcado pela aprovação de 30 novas súmulas, com o objetivo de uniformizar e conferir previsibilidade às decisões do órgão. Também foi aprovado o novo regimento interno, que ampliou o número de turmas ordinárias e aprimorou os critérios para aprovação de sú-mulas. A reestruturação contribuiu para acelerar os julgamentos e reduzir o estoque de processos, que caiu 21% no biênio 2023-2024.

A modernização também passou pela adoção do plenário virtual, para agilizar os julgamentos, e pelo lançamento do sistema de Inteligência Artificial em Recursos Administrativos, o IARA. Desenvolvido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), tem o objetivo de auxiliar conselheiros na triagem e julgamento de casos menos complexos. A tecnologia marca a transição para a chamada Administração Tributária 3.0. “Apesar de a tecnologia sugerir um ou mais entendimentos, a declaração final é de cada conselheiro. Não se trata de um julgamento por máquina”, declarou o presidente do Carf ao apresentar a iniciativa.

Ainda no campo da inovação, destaca-se a criação de turmas especializadas em matéria aduaneira. Elas também foram apontadas como avanço pelos advogados entrevistados pelo Anuário. “Trata-se de uma iniciativa que reflete a compreensão de que o Direito Aduaneiro demanda um olhar específico, alicerçado não apenas na legislação interna, mas também nos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil junto à OMC, ao Mercosul e a convenções internacionais”, destacou o advogado Júlio César Soares, em entrevista ao Anuário.

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