05 de junho 2020 às 12H19
Embora haja consenso sobre o auxílio para as empresas, há preocupação com a banalização dos programas fiscais
A ideia de um “Refis da Pandemia” saiu dos bastidores políticos e voltou a circular formalmente no Congresso Nacional. No último dia 3 de junho o líder do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), apresentou requerimento de urgência para a votação do projeto de lei 2.735/2020, que institui o programa extraordinário de regularização de tributos federais em decorrência dos efeitos da Covid-19 na economia brasileira. Na prática, o projeto só entrará
em votação no plenário depois da aprovação do pedido de urgência, para o qual ainda não há data marcada. Não há, também, relator indicado para emissão de um parecer.
A possibilidade de um novo Refis divide opiniões. Embora haja consenso sobre a necessidade de auxílio para a sobrevivência das empresas afetadas pela crise causada pela pandemia, há preocupação de entidades, políticos e especialistas com a banalização dos programas de parcelamento de dívida fiscal, ainda mais nos moldes previstos pelo PL 2.735/2020, que abrange todas as empresas, independentemente de terem ou não o faturamento afetado pela pandemia. Alguns parlamentares defendem que o tema seja tratado na reforma tributária.
“Normalmente nós temos posição contrária aos Res. Obviamente o momento é diferente agora porque a pandemia traz a necessidade de um tratamento diferenciado. Mas na forma como o PL está o Refis acaba ficando como os outros, e não diferencia quem de fato necessita do apoio”, defende Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).
Os pedidos de diferimentos tributários, parcelamentos e auxílios fiscais têm sido uma das principais apostas do empresariado brasileiro para amenizar os efeitos da crise. O argumento de empresários e de tributaristas é o de que as empresas precisam ter fluxo de caixa para cumprir as obrigações e continuar existindo mesmo com a crise decorrente da pandemia. Dessa forma, o governo federal pode contribuir ao permitir o parcelamento do
pagamentos dos tributos para depois do período de calamidade pública.
Na justificativa do PL o autor, deputado Ricardo Guidi (PSD/SC), defende que não há renúncia fiscal. Para ele, a proposta ajuda os contribuintes e impulsiona a receita pública, “uma vez que o recebimento dos débitos, ainda que com os encargos de inadimplência reduzidos, acarretam um incremento da arrecadação, já que há a recuperação de créditos que serão recebidos devidamente atualizados”.
O projeto apresentado contempla pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado – ou seja, de empresas a autarquias e fundações – e dívidas de natureza tributária e não tributária, isto é, tributos e multas de órgãos, como, por exemplo, o Ibama. Prevê ainda que os interessados poderão aderir ao programa de parcelamento no prazo de até 90 dias após o fim do estado de calamidade pública decretado por conta da pandemia. Diz também que
poderão ser parcelados os débitos gerados até o mês de competência em que for declarado o fim do estado de calamidade pública – 31 de dezembro de 2020, caso não haja prorrogação.
O PL permite o pagamento de débitos em até 120 parcelas mensais, iguais e sucessivas para os débitos das pessoas físicas. Em relação à pessoa jurídica, a proposta não prevê um número fluxo de parcelas, apenas informa que o valor de cada parcela é determinado em função do percentual da receita bruta do mês anterior. Além disso, o texto aplica a redução de 90% das multas de mora e de ofício, das isoladas, dos juros de mora e do valor de
encargo legal.
A proposta também traz o valor de parcelas mínimas. Para a pessoa física não pode ser inferior a R$ 300; a pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro presumido deve pagar pelo menos R$ 1 mil. Nos demais casos, a parcela mínima é de R$ 2 mil.
Entre as formas de pagamento estão parcelas mensais, utilização de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e compensação de créditos próprios relativos a tributo ou contribuição decorrente de ação judicial transitada em julgado. O contribuinte também poderá quitar as parcelas com bens imóveis no limite de até 30% do montante do débito a ser parcelado.
“A instituição de parcelamentos sempre significa o estado abrir mão de receitas, isso é ruim. Mas neste cenário é justificável. De fato, muitas empresas estão com dificuldade para sobreviver e obviamente a carga tributária tem um peso grande nessa dificuldade. Me parece que nesse cenário a medida é válida e pode ajudar de ambos os lados [governo e contribuinte]”, analisa o tributarista Júlio César Soares, sócio do escritório Dias de Souza.
Ponderações
O “Refis da Pandemia” proposto pelo deputado Ricardo Guidi (PSD/SC) agrada os partidos do chamado Centrão, mas sofre resistências, como a do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Conceitualmente contrário a parcelamentos de dívidas “porque passa uma sinalização ruim de que as pessoas podem deixar de contribuir que lá na frente vem um Refis”, Maia argumentou, nesta quinta-feira (4/6), que diante da pandemia uma
renegociação de dívidas será necessária. Para ele, porém, “um último Refis” pode ser feito como parte de uma rearrumação do sistema tributário.
“O que eu acho é que deveríamos aproveitar a crise para fazer uma discussão mais ampla, a partir de julho, da reforma tributária, para dentro dela discutir um último Refis. O Refis é um instrumento ruim. O Refis tem a ver com arrecadação tributária, ele pode estar dentro desse pacote de um novo modelo tributário brasileiro e resolver esses não pagamentos desse momento, que serão inevitáveis”, disse. Maia articula com o presidente do Senado,
Davi Alcolumbre (DEM-AP), a retomada dos trabalhos da comissão mista da reforma tributária para o segundo semestre.
A Anafe acredita que o auxílio fiscal deve ser feito às empresas que, de fato, precisam. Na opinião da associação, nos moldes como o PL está construindo, ele pode ser usado por devedores contumazes e até por fraudadores. Dessa forma, a Anafe defende que, em vez de um PL para um Res, seja feita a adequação legislativa na Lei do Contribuinte Legal para as empresas afetadas pela pandemia, de modo que elas possam negociar as dívidas
tributárias. “A utilização da Lei do Contribuinte Legal dá a possibilidade de que se faça uma análise pormenorizada de cada devedor para que somente as empresas que precisem tenham o benefício”, diz Marcelino Rodrigues.
Jota Info 05 de junho de 2020 às 10:54
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