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01 de janeiro 2018 às 14H20

RETROSPECTIVA 2017 – Na área tributária, Supremo buscou manter estabilidade de seus precedentes

Por Hamilton Dias de Souza e Daniel Corrêa Szelbracikowski

O Supremo Tribunal Federal foi protagonista na definição de questões relevantes do ponto de vista tributário em 2017, especialmente no primeiro semestre do ano.

Merecem destaque os acórdãos que apreciaram a extensão das imunidades tributárias, a incidência da contribuição ao PIS e Cofins sobre o ICMS, a constitucionalidade da contribuição ao Funrural devida pelos produtores rurais pessoas físicas, a modulação dos efeitos em decisão relacionada à guerra fiscal de ICMS, a submissão ao Plenário da constitucionalidade da taxa Siscomex, dentre outros. Com exceção do julgado relacionado à majoração da taxa Siscomex, os precedentes analisados foram proferidos pelo Plenário em sede de repercussão geral e/ou em controle abstrato de constitucionalidade.

O protagonismo do STF explica-se pela sua função institucional de árbitro da Federação, existência de inúmeras regras e princípios tributários inscritos diretamente no texto constitucional e decisão de sua presidente de submeter ao Plenário as questões tributárias em discussão. Por essas razões, apesar de o Superior Tribunal de Justiça definir controvérsias importantes relacionadas à interpretação da legislação federal infraconstitucional[1], grandes questões tributárias têm desaguado no Supremo.

São muitos os desafios e responsabilidades da Corte Suprema, até porque cumpre-lhe, dentre outras, manter a integridade e estabilidade de seus precedentes. Seus fundamentos, quando reiterados e contextualizados de acordo com a realidade fática, permitem conhecer a doutrina da Corte sobre determinada questão jurídica, possibilitando aos operadores do direito previsibilidade em todas suas ações com reflexos positivos sobre a segurança jurídica.

A análise dos julgados proferidos neste ano demonstrará que o Supremo Tribunal Federal tem se preocupado com a estabilização de sua jurisprudência. Em alguns casos, porém, notar-se-á certa ruptura em relação a entendimentos anteriores sobre as matérias tributárias julgadas.

Iniciemos por 23 de fevereiro. Nessa data o STF concluiu, por maioria, que “Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar” (RE 566.622/RS, Rel. ministro Marco Aurélio). Estava em jogo definir se os requisitos para a fruição da imunidade das entidades beneficentes de assistência social, no que respeita às contribuições da seguridade social, poderiam ser estabelecidos pela lei ordinária (art. 55 da lei 8.212/91) à luz do disposto nos artigos 146, II e 195, § 7º da Constituição. O Tribunal entendeu que a restrição ao gozo de imunidades só poderia ser veiculada por lei complementar, vedando-se ao legislador ordinário a criação de novos requisitos que restrinjam o alcance e a finalidade da norma constitucional. Assinale-se a preocupação da Corte em estabilizar seus precedentes na declaração do ministro Roberto Barroso que receava estar-se diante de modificação de jurisprudência: “esta é uma preocupação que temos que ter permanente aqui no Supremo Tribunal Federal: a de não sermos protagonistas de uma jurisprudência errática. Portanto, acho que a estabilidade da jurisprudência é, com frequência, um valor em si, independente até mesmo do mérito da linha que se tenha professado”.

Em 8 de março o Supremo Tribunal Federal decidiu unanimemente pela inconstitucionalidade da tributação de livros e periódicos eletrônicos ao analisar a extensão da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, “d”, da Constituição Federal (RREE 330.817, Rel. ministro Dias Toffoli e 595.676, Rel. ministro Marco Aurélio). O Supremo entendeu que o livro digital (e-book), o “áudio book” (livros gravados em áudio em suporte de CD-Rom ou qualquer outro), os aparelhos leitores de livros eletrônicos (e-readers) e o conteúdo textual de CD’s estão abrangidos pela norma constitucional. Não a estendeu, entretanto, aos tablets, smartphones e laptops, pois tais equipamentos multifuncionais não poderiam ser confundidos com aqueles que possibilitam apenas a leitura de livros digitais. O entendimento encontra guarida na jurisprudência do Tribunal segundo a qual a finalidade buscada pela referida imunidade é a livre circulação de ideias.

Na mesma sessão o STF julgou a ADI 3.796, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, declarando a inconstitucionalidade das leis paranaenses que instituíram benefícios fiscais de ICMS sem a prévia aprovação do Confaz. Seguindo o entendimento majoritário da doutrina e o último julgado do Tribunal (ADI 4.481/PR, Rel. ministro Roberto Barroso), o STF modulou os efeitos de sua decisão para que a invalidação do incentivo fiscal em vigor há mais de dez anos apenas surtisse efeitos a partir da data da publicação da ata de julgamento. Com isso, prestigiou a segurança jurídica, especialmente daqueles contribuintes que pautaram suas ações de acordo com a lei que instituiu os benefícios. A posição parece revelar, ainda, um diálogo institucional com o Legislativo e o Executivo que aprovaram em 2017 medidas tendentes a pacificar a guerra fiscal para o passado, a exemplo da LC 160/17 e do Convênio Confaz 190/17.

Em 15 de março o STF, por maioria, reafirmou sua posição quanto à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS (RE 574.706, Rel. ministra Cármen Lúcia). Pende de apreciação pedido da PFN para a modulação de efeitos da decisão. Não nos parece haver justificativa razoável para a atribuição de efeitos prospectivos ao julgamento, pois não houve surpresa ao Fisco. Ao contrário, houve mera reiteração de entendimento adotado pelo Plenário do STF desde 2014 (RE 240.785/MG, DJe 16/12/2014), a afastar a excepcionalidade que justifica referida modulação. Mas, na hipótese de o STF eventualmente modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, deverá, no mínimo, preservar o direito dos que discutiram a constitucionalidade da exação até a finalização do julgamento. Esse foi o entendimento adotado pela Corte no julgamento dos RE’s 560.626, 556.664 e 559.943 (Rel. ministro Gilmar Mendes) e das ADIs 4628/DF, 4.357 e 4425 (Rel. ministro Luiz Fux) quando deliberou atribuir efeitos ex nunc à decisão, excepcionadas as situações impugnadas pelas partes envolvidas. Além disso, a mesma linha teórica estabelecida no julgado deveria ser aplicada à controvérsia envolvendo a constitucionalidade da inclusão do ISS nas bases de cálculos dessas contribuições.

O mesmo se aplica à contribuição previdenciária (CPRB) que também incide sobre o faturamento. Por fim, é interessante observar que tanto os ministros que encamparam a tese vencedora quanto aqueles que encamparam a tese vencida aludiram à necessidade de observância dos precedentes. Os primeiros em relação ao decidido pelo STF no RE 240.785 a propósito da mesma matéria. Os segundos em relação aos julgados que trataram da inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo. Estes também entenderam que o acórdão decorrente do RE 240.785 não poderia ser considerado precedente, dada a ausência de repercussão geral daquele julgado.

Em 30 de março o STF julgou a constitucionalidade da contribuição ao Funrural devida pelos produtores rurais pessoas físicas (RE 718.874/RS, Rel. p/ acórdão ministro Alexandre de Moraes). O tribunal, por maioria, validou a contribuição instituída pela Lei 10.256/2001 que alterou a redação da Lei 8.212/91. Foi debatido extensamente se haveria precedente do STF sobre o tema. A corrente vencedora entendeu que a questão era distinta daquela submetida ao STF em 2010 à luz da Lei 9.528/97 (RE 363.852), razão por que não se poderia falar em alteração de jurisprudência. O fato é que, independentemente da matéria de fundo ser ligeiramente diversa daquela apreciada no processo anterior, o STF pareceu contrariar sua jurisprudência quanto à impossibilidade de declaração de constitucionalidade superveniente de normas jurídicas declaradas inconstitucionais (RE 390.840, Rel. ministro Marco Aurélio, DJ 15/08/2006). Até então, o tribunal reconhecia que – em regra – a inconstitucionalidade de determinada norma retroagiria até o seu nascedouro, ainda que houvesse modificação posterior da Constituição. É o que ocorreu nesse julgamento, pois no RE 363.852 (caso “Mataboi”) o STF reconheceu expressamente a inconstitucionalidade do art. 25, I e II e 30 da Lei 8.212/91, com a redação atualizada pela Lei 9.528/97, que estabelecia a “receita bruta” como base de cálculo da contribuição ao Funrural. Considerando que a Lei 10.256/2001 não tratou da base de cálculo e nem da alíquota do tributo, não poderia ela repristinar a base imponível prevista na Lei 8.212/91. A necessidade de previsão de todos os elementos da obrigação tributária em lei decorre do princípio da legalidade estrita em matéria tributária. Frise-se que há embargos de declaração dos contribuintes com pedido de modulação de efeitos da decisão pendentes de apreciação pela corte.

Em 5 de abril o Plenário apreciou a constitucionalidade da incidência do IPI sobre o açúcar (RE 592.145, Rel. ministro Marco Aurélio). O Supremo entendeu que a majoração da alíquota do IPI não ofenderia a seletividade em função da essencialidade, pois o Poder Executivo teria ampla margem de discricionariedade para estabelecer as alíquotas do imposto em função de sua característica extrafiscal. Convém salientar que não houve debate no Plenário quanto ao argumento relacionado à não fungibilidade entre tributos. O tema era relevante, pois a rigidez do Sistema Tributário Brasileiro impede a utilização de uma espécie tributária, de natureza, características e finalidades próprias, por outra de características diversas[2].

Em 19 de abril o STF, por maioria, estabeleceu a inaplicabilidade da imunidade recíproca aos imóveis cedidos ao particular para a exploração de atividade desvinculada de finalidades públicas (RE 601.720/RJ, Red. p/ acórdão ministro Marco Aurélio). O STF mudou o seu entendimento quanto à qualificação da posse necessária para fins de incidência de IPTU. Até então, a única posse que possibilitava a incidência de tributo sobre a propriedade era aquela exercida com animus domni, o que não era juridicamente possível na hipótese de bem imóvel de titularidade do Poder Público. O novo julgamento assentou que a posse “a qualquer título” possibilita a incidência de imposto sobre a propriedade, desde que o imóvel esteja vinculado à atividade econômica privada. Durante o julgamento o STF novamente manifestou preocupação com a necessidade de manutenção da estabilidade de suas decisões. A propósito, o Ministro Edson Fachin frisou que “tendo em vista a função de precedente que o presente recurso deve desempenhar para todo o sistema judicial pátrio, (…) se revela necessário (sic) a explicitação do que está posto em juízo e das razões de decidir que esta Suprema Corte adotará para o deslinde do presente litígio constitucional”. Apesar disso, o Relator ficou vencido e o Tribunal modificou sua posição.

Na sessão de 1º de agosto, o STF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade da instituição de taxa de combate a sinistros de incêndios pelos municípios (RE 643247/SP, Rel. ministro Marco Aurélio). De acordo com o STF, a taxa tem por causa a atuação do Estado na segurança pública por intermédio dos bombeiros (art. 144, V da CF). Desse modo, essa atividade essencial, inerente, geral e exclusiva do Estado na defesa civil só poderia ser sustentada por impostos.

Em 29 de agosto a Primeira Turma do STF deu provimento a agravo interno do contribuinte para determinar o julgamento pelo Plenário de questão relacionada à majoração da Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior -Siscomex (Ag.Reg. no RE 959.274/SC, Red. p/ acórdão Ministro Roberto Barroso). A posição majoritária da Turma foi no sentido de que é inconstitucional a majoração da respectiva alíquota pelo Executivo. Com efeito, apesar de a lei ter permitido tal reajuste, não fixou balizas mínimas e máximas para a atuação infralegal[3], razão por que o reajuste de 500% na alíquota de fato ofende o princípio da legalidade em matéria tributária que não admite a chamada “delegação em branco”.

Em 20 de setembro o STF declarou a inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária das condenações da Fazenda Pública. Seguiu-se o entendimento adotado em 2013 relativamente aos precatórios na ADI 4.357. Vez mais, o STF manifestou o dever de coerência em relação aos seus precedentes ao salientar que: “(…) pior do que não ter jurisprudência ideal é não ter jurisprudência” (ministro Roberto Barroso). Quanto às causas tributárias, o julgado impõe sejam aplicados ao particular os mesmos índices de juros e correção monetária utilizados pelo Fisco na cobrança de seus créditos.

O acima exposto revela que o ano de 2017 foi liderado pelo STF na definição de questões tributárias. Verifica-se, ainda, uma preocupação do tribunal em manter a estabilidade de seus precedentes, embora tenha havido modificação de entendimento em alguns julgados.


[1] Dentre muitos outros, destacam-se os julgados do STJ relacionados à (i) exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (EREsp 1.517.492 – 1ª S, Red. p/ acórdão Ministro Regina Helena Costa); (ii) não incidência de CPRB sobre ICMS (REsp 1694.357 – 1ª T, Rel. Ministro Napoleão Maia Filho); (iii) incidência de ICMS sobre a tarifa de uso do sistema de distribuição – TUSD (REsp 1.163.020 – 1ª T, Rel. Ministro Gurgel de Faria); (iv) base de cálculo do ICMS sobre medicamentos quando os preços praticados no mercado são inferiores aos previstos na tabela CMED, ocasião em que devem ser utilizados os preços reais e não os tabelados (REsp 1.519.034 – 2ª T, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques); (v) incidência de CIDE Royalties sobre o mero fornecimento de tecnologia independentemente de sua absorção pelo adquirente (REsp 1.650.115 – 2ª T, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques), (vi) legalidade do aumento das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras (REsp 1586.950 – 1ª T, Red.p. acórdão Ministro Gurgel de Faria); e (vii) termo inicial de correção monetária quando caracterizada a mora do Fisco na análise do pedido administrativo de ressarcimento (Ag.Int. no REsp 1529522 – 1ªT, Rel. Ministro Gurgel de Faria).

[2] Exceção aos tributos que, embora denominados diferentemente, possuam mesmas características: RMS 19001, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, DJ 13-02-1969; RE 27112, Rel.Ministro ANTONIO VILLAS BOAS, DJ 31-12-1957; RE 103778, Rel.Ministro CORDEIRO GUERRA, Tribunal Pleno, DJ 13-12-1985.

[3] Em 2016 o STF flexibilizou o princípio da reserva legal ao possibilitar que a lei delegue a fixação do aspecto quantitativo das taxas ao regulamento desde que haja a fixação de balizas mínimas e/ou máximas na própria lei: RE 838284, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 22/09/2017. Esse entendimento foi objeto de nossa crítica: https://www.conjur.com.br/2016-dez-21/retrospectiva-2016-stf-produzido-materia-tributaria.

Hamilton Dias de Souza sócio fundador da Dias de Souza Advogados Associados, é mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Daniel Corrêa Szelbracikowski é advogado, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), especialista em Direito Tributário e sócio da Advocacia Dias de Souza.

 

https://www.conjur.com.br/2018-jan-01/area-tributaria-stf-buscou-manter-estabilidade-precedentes

Revista Consultor Jurídico, 01 de janeiro de 2018 às 14h20

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