10 de dezembro 2014 às 10H24
Há muito os contribuintes sustentam a equiparação do seguro garantia à fiança bancária com o escopo de garantir as execuções fiscais intentadas contra si.
Essa espécie de garantia foi regulada pela Circular Susep 232/2003 e prevista no artigo 656 do Código de Processo Civil[1], a partir da edição da Lei 11.382/2006. Em que pese haver diversidade dos garantidores (instituição financeira, no caso de fiança bancária; seguradora, no caso do seguro garantia) e dos contratos, em ambas as situações existe um compromisso do garantidor de pagar integralmente o montante discutido, na hipótese de perda da ação garantida. A corroborar essa semelhança finalística, há equiparação das seguradoras às instituições financeiras para vários fins (por exemplo, em relação ao tratamento tributário, conforme se observa do artigo 22, parágrafo 1º, da Lei 8.212/91[2]).
Por essas razões, somadas à teoria do diálogo das fontes[3] e ao caráter posterior e supletivo da previsão trazida pela Lei 11.382/2006 (conforme o artigo 1º da Lei 6.830/80[4]), os executados sempre sustentaram a idoneidade da utilização do seguro garantia em execuções fiscais.
Entretanto, como o instituto foi criado posteriormente à Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei 6.830/80), a ausência de previsão naquela lei específica criou entraves para a sua utilização no âmbito das execuções fiscais, principalmente nas esferas estadual e municipal.
A não aceitação da aludida garantia e a negação de sua equiparação à fiança bancária foram chanceladas pelo STJ, para quem a mencionada garantia não poderia ser utilizada em execução fiscal, por não estar prevista expressamente na LEF. Segundo aquele Superior Tribunal, “A jurisprudência […] é firme no sentido da impossibilidade de uso da garantia ofertada, vez que não prevista do rol do artigo 9º da Lei 6.830/80. Assim, em face do princípio da especialidade, não pode o seguro-garantia ser objeto de indicação pelo devedor para assegurar execução fiscal”. (AgRg no REsp 1434142/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/03/2014, DJe 20/03/2014).
A despeito da jurisprudência do STJ, o fato é que, recentemente, houve a edição de lei específica (13.043/14) para incluir essa garantia no rol do parágrafo 2º do artigo 9º da LEF, razão por que deverá o STJ, agora, debruçar-se sobre os efeitos da aludida alteração: O seguro garantia poderá ser aceito nas execuções em curso, onde eventualmente haja decisão negando a sua utilização, ou apenas nas execuções vindouras, isto é, já instauradas sob a égide da novel legislação?
Entendemos que a referida alteração legislativa tem aplicação imediata às execuções em curso, inclusive naquelas em que tenha havido decisão negando a utilização do seguro garantia e contestação desse entendimento pelo executado (por meio de recurso ou impugnação específica).
Isso porque a referida norma tem natureza eminentemente processual, dispondo sobre os procedimentos especiais de execução aplicáveis à Fazenda Pública. Não se trata de norma de caráter material, pois o seu desiderato é possibilitar a marcha do processo executivo, mediante a garantia do juízo.
Tanto é assim que, ao analisar questões relacionadas à execução, o STJ assentou que “Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos”(REsp 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).
Com efeito, o STJ já esclareceu o caráter processual das normas que regem as execuções fiscais e sua aplicação imediata aos casos em curso. É o que se vê do julgamento que analisou a inclusão do parágrafo 4º ao artigo 40 da LEF pela Lei 11.051/04, dispositivo este que possibilitou a decretação de ofício da prescrição intercorrente. Segundo o Tribunal, “A novel Lei 11.051, de 30 de dezembro de 2004, norma processual e de aplicação imediata, acrescentou ao artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais o parágrafo 4º, possibilitando ao juiz da execução a decretação de ofício da prescrição intercorrente.”(AgRg no Ag 1061124/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2010, DJe 03/11/2010).
Não há que se cogitar, outrossim, de direito adquirido para a Fazenda Pública pleitear a manutenção do entendimento anterior, que vedava a aceitação dessa garantia. Ao contrário, a aplicação imediata e geral da lei em vigor é imposição do artigo 6º da LINDB[5], segundo o qual tempus regit actum.
Além disso, enquanto não definitivamente apreciada a execução fiscal, a aplicação da lei mais benéfica ao contribuinte deve ser sempre facultada, em razão do disposto no artigo 106 do CTN. Esse entendimento se aplica com maior razão em sede de execução fiscal[6] em juízo de ponderação com os princípios da menor onerosidade ao devedor (artigo 620 do CPC) e efetividade da tutela executiva[7].
Em conclusão, seja pelo caráter processual da norma que inseriu o seguro garantia no rol das garantias permitidas pela LEF, seja em consideração à aplicação da lei mais benéfica ao contribuinte e ao princípio da menor onerosidade ao devedor, entendemos que, desde o momento da publicação da Lei 13.043/14, os contribuintes podem requerer ao judiciário a aceitação do seguro garantia em execuções fiscais em curso, independentemente da data de propositura da referida ação.
[1]Art. 656. A parte poderá requerer a substituição da penhora:
(…)
§ 2o A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
[2]“§ 1º No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidora de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida nos incisos I e III deste artigo.”
[3]“(…) consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo.” (AgRg no REsp 1196537/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 22/02/2011).
[4]“nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/80, aplica-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil às execuções fiscais” (AgRg no Ag 1401473/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/06/2011).
[5]Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Decreto-Lei 4.657/1942).
[6]A propósito, nos seguintes casos o STJ expressamente aplicou o princípio da lei mais benéfica em sede de execução fiscal: AgRg no AREsp 188.843/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 24/10/2012; AgRg no REsp 1223123/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 25/04/2011).
[7]“[…]
1. A Primeira Seção deste STJ, no julgamento do REsp 1.337.790/PR, processado sob o rito dos feitos repetitivos, firmou a compreensão no sentido da “inexistência de preponderância, em abstrato, do princípio da menor onerosidade para o devedor sobre o da efetividade da tutela executiv. […]” (AgRg no AREsp 519.581/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 02/10/2014)
AgRg no AREsp 540.498/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 29/09/2014)
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2014 às 10h24
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