26 de novembro 2015 às 14H44
No Recurso Extraordinário nº 723.651/PR, o Supremo Tribunal Federal decidirá, sob o regime de repercussão geral, se o IPI deve incidir na importação de bens por pessoa natural para uso próprio. Sustenta-se no recurso que a tributação violaria o princípio da não cumulatividade à falta de operação sucessiva que permitisse o abatimento do valor do imposto pago na importação.
Invocam-se, nessa linha, vários precedentes do Supremo Tribunal Federal (AgR no RE 255682, AgR no RE 501773, AgR no RE 255.090 e AgR no RE 550.170). Tais precedentes pautam-se em decisões sobre ICMS na importação, anteriores à EC 33/2001, a teor da ora superada Súmula 660/STF: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”
A polêmica surge a partir do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, Relator do referido leading case, que, desconstruindo toda a linha argumentativa da jurisprudência da Corte, concluiu pela incidência do IPI na hipótese de que se cuida.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, consolidou sua jurisprudência na esteira dos precedentes anteriores da Suprema Corte ao julgar o Recurso Especial nº 1.396.488-SC, sob a sistemática de recursos repetitivos. Mas a decisão não foi unânime. Restaram vencidos os Ministros Eliana Calmon, Napoleão Nunes Maia Filho, Mauro Campbell e Marga Barth Tesller (Juíza Federal convocada do TRF da 4ª Região). A decisão, além de apoiar-se na suposta inobservância do princípio da não cumulatividade, considerou também que “o fato gerador do IPI é o exercício de atividade mercantil ou assemelhada”, o que não se verifica na importação por pessoa física para uso próprio.
Quer nos parecer que, neste caso, a razão está com o posicionamento divergente do até então adotado pelas Cortes Superiores.
Em primeiro lugar, porque o IPI é imposto sobre o consumo de produtos industrializados e não sobre a sua produção.
O imposto sobre produção, acaso existente no nosso ordenamento jurídico, teria como fato gerador a fabricação do produto, incidindo em algum momento do ciclo industrial. O IPI, por sua vez, não incide sobre a produção propriamente dita, mas pelo ingresso do produto industrializado no ciclo em direção ao consumo a qualquer título (venda, doação, empréstimo, devolução etc). O fato gerador se exterioriza pela saída do bem do estabelecimento produtor ou pelo seu desembaraço aduaneiro (art. 146 do CTN). E, como regra, o ônus da carga tributária recai sobre o consumidor (contribuinte de fato) e não sobre o industrial/importador (contribuintes de direito), exceto na importação realizada pelo próprio consumidor final.
Sendo assim, o pressuposto de fato que autoriza a incidência do imposto é a disponibilização de um produto industrializado (nacional ou importado) para consumo interno. É irrelevante que a saída da indústria seja direta ao consumidor final ou que o produto passe por uma série de etapas de comercialização antes de chegar ao consumo. Por isso a lei não exige a condição de comerciante dos contribuintes do imposto (art. 51 do CTN), o que nem sempre se verificará em relação ao importador e ao arrematante de produtos levados a leilão. O contribuinte também nem sempre participará da operação de industrialização, como é o caso do importador e do equiparado ao importador ou industrial. Daí se conclui que o fato gerador do IPI não está necessariamente vinculado à produção de um bem e nem a uma atividade mercantil, como decidido pelo STJ no mencionado recurso repetitivo.
Por outro lado, o comércio internacional pressupõe que não se exportem tributos. Assim, um país não interfere com o sistema tributário do outro. Dada essa finalidade, quando o produto sai do país de origem, deve estar despido de sua carga tributária interna para sofrer a carga tributária local no ingresso do país de destino. De sorte que, havendo no país exportador imposto idêntico ou similar ao nosso IPI, não deverá haver cobrança a esse título, ocorrendo a incidência no ingresso da mercadoria no país importador. Para efeitos fiscais é como se a importação de produto industrializado equivalesse a uma industrialização realizada no território nacional. Essa é a lógica que preside o intercâmbio comercial entre as nações com o objetivo de afastar a indesejável bitributação.
Dessa forma também se evita qualquer tipo de favorecimento em virtude de se tratar de produto nacional ou importado. Este o sentido da Súmula 575/STF: “A mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias concedidas a similar nacional.” Lendo-se a súmula sob outra perspectiva, verifica-se que também não haveria sentido em proteger-se o produto importado em detrimento do nacional.
De fato, decorre dos imperativos de igualdade e neutralidade tributárias que a carga impositiva relativamente aos tributos internos seja uniforme, quer se trate de produto nacional quer se trate de produto importado. Assim, como no mercado interno o IPI incide na venda de produtos industrializados pelo respectivo produtor diretamente ao consumidor, não há como sustentar-se sua não incidência na importação para uso próprio sob pena de quebra da isonomia. Haveria, nesse caso, nítido prejuízo ao produtor nacional e injustificável benefício ao produtor estrangeiro.
Por fim, a tributação em questão não gera cumulatividade alguma, nem isso seria logicamente possível em se tratando de incidência única. Se o princípio da não cumulatividade visa evitar a cobrança em cascata, então logicamente pressupõe a ocorrência de incidências sucessivas e sobrepostas no mesmo ciclo. E, para afastar-se o efeito cumulativo, permite-se a compensação do imposto incidente na operação subsequente com o montante exigido na anterior, pagando-se apenas a diferença (art. 153, §3º, II da CF e art. 149 do CTN). Desse modo, a carga tributária final será a resultante da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo na última operação, que no caso se confunde com a primeira. Se não há mais de uma incidência cumulativa no ciclo, a não tributação levaria a um resultado similar ao de uma isenção sem previsão legal.
Em síntese, o que se verifica é que, por se tratar de imposto sobre o consumo de produto industrializado, o fato gerador na importação se exterioriza com o desembaraço aduaneiro independentemente de o adquirente do produto ser comerciante ou o próprio consumidor final. Não é possível haver cumulatividade por se tratar de incidência única. Além do que, a falta de tributação violaria a lógica do intercâmbio internacional de mercadorias e, com isso, causaria desequilíbrio concorrencial entre o produto importado e o nacional..
Anna Paola Zonari – Advogada tributarista, é sócia do Dias de Souza Advogados Associados e da Advocacia Dias de Souza
Jota Info, 26 de novembro de 2015 às 14h44
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