11 de março 2022 às 9H53
O artigo 83 da Lei 9.430/1996, que estabelece que a representação fiscal para fins penais nos crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social será encaminhada ao Ministério Público após decisão final no processo administrativo fiscal, não afeta a atuação da promotoria. Afinal, independentemente do encaminhamento da representação fiscal, o órgão pode adotar, a qualquer tempo, as medidas necessárias à propositura de ação.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 1, negou ação e declarou a constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/1996.
A ação direta de inconstitucionalidade foi movida pela Procuradoria-Geral da República. Em sustentação oral, o procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que condicionar a representação fiscal ao fim do processo administrativo é medida desproporcional e ofensiva ao devido processo legal.
No entanto, o relator do caso, ministro Nunes Marques, votou para negar a ADI e declarar a constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/1996. De acordo com o magistrado, o dispositivo não trata de matéria penal ou processual penal, e, sim, do momento em que agentes fiscais deverão enviar a notificação ao MP.
Na visão dele, o artigo se destina aos agentes fiscais, não afetando a atuação do MP, que pode adotar medidas necessárias à propositura da ação a qualquer momento, independentemente de ter recebido a representação fiscal.
O voto do relator foi seguido pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Voto divergente
Ficou vencido o ministro Alexandre de Moraes, que divergiu parcialmente do relator. O magistrado votou para dar interpretação conforme a Constituição ao dispositivo para afastar a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas em relação aos crimes formais para que o MP atue.
Segundo Alexandre, o artigo limita a atuação do MP, que precisa esperar o fim do processo administrativo.
Bons olhos
A decisão do STF foi muito bem recebida por advogados que atuam na área tributária e por criminalistas. Igor Mauler Santiago, doutor em Direito Tributário, sócio fundador do escritório Mauler Advogados e colunista da ConJur, acredita que o resultado do julgamento pode corrigir uma velha injustiça.
“A decisão representa um freio do STF à prática brasileira de rebaixar o Direito Penal a mero instrumento arrecadatório. O esgotamento da instância administrativa é imprescindível e ainda é pouco: é preciso condicionar a persecução penal à confirmação do débito por decisão judicial transitada em julgado”.
Pelo mesmo caminho vai o tributarista Pedro Lameirão, sócio do BBL Advogados: “O Direito Penal deve ser encarado como a última ratio em um Estado democrático de Direito. É saudável que as controvérsias que surjam na sociedade possam ser solucionadas de forma eficaz, sem que o Estado tenha de apelar para a criminalização. Mais do que uma vitória dos contribuintes, entendo que se trata de uma vitória da civilidade”.
“A decisão do STF é certamente a única que se compatibiliza com regras essenciais do Direito Penal. Sem o lançamento definitivo do débito tributário, etapa final do procedimento administrativo, é impossível que se afirme existir tributo devido. Com a decisão mencionada, o STF reafirma a necessidade de que seja assegurada segurança jurídica aos contribuintes brasileiros, com respeito à legalidade”, acrescentou Conrado Gontijo, criminalista e doutor em Direito Penal Econômico pela USP.
Outro tributarista, Eduardo Diamantino, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, também saudou o resultado do julgamento.
“A decisão mantém os direitos do contribuinte e, mais uma vez, reafirma que crédito tributário tem de ser cobrado em processo tributário isento e justo. O MP não pode usar ação penal para constranger os contribuintes que, muitas vezes, nem devem o tributo questionado”, comentou ele. “O dispositivo reconhecido como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal resguarda, em primeiro lugar, o direito do contribuinte de questionar a exigibilidade do crédito tributário sem que sobre ele recaia o estigma de responder a procedimento de natureza criminal. Além disso, essa opção legislativa estabelece um marco seguro para a apuração da responsabilidade do servidor público que atua na área fiscal. A decisão permite a verificação com maior clareza da materialidade do crime fiscal, otimizando-se, assim, a atuação da polícia judiciária e do Ministério Público”, afirmou o criminalista André Galvão, sócio do Bidino & Tórtima Advogados Associados.
“Felizmente, o Supremo Tribunal Federal reafirmou esse posicionamento. Não é possível iniciar inquérito policial ou ação penal sem que exista a comprovação indiscutível de que houve um crime fiscal. O que o Supremo fez foi mais uma vez expressar que é absolutamente imprescindível o trânsito em julgado da decisão administrativa pra se cogitar algum tipo de ilícito tributário penal”, disse Daniel Bialski, também criminalista e sócio do Bialski Advogados.
“Andou bem o Supremo. Isso porque apenas com a finalização do processo administrativo fiscal ocorre a constituição definitiva do crédito tributário e a caracterização de eventual ilícito nessa seara. Logo, crimes conexos a esse eventual ilícito logicamente só devem ser perseguidos quando da finalização do correlato procedimento administrativo”, comentou o tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza.
ADI 4.980
Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2022, 19h31
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