27 de maio 2022 às 10H26
Sem força política para barrar limite de 17% sobre combustíveis, energia e telecom, estados devem recorrer à esfera judicial. Mas podem perder se STF definir itens como essenciais
Diante da iminente derrota dos estados na esfera política, especialistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que os governos estaduais vão recorrer à Justiça contra a fixação de um teto de 17% para o ICMS sobre energia elétrica, telecomunicações, combustíveis e gás natural.
O texto foi aprovado por uma ampla maioria na Câmara na quarta-feira e não deve haver dificuldade de passar pelo Senado, segundo indicou o próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que chamou a medida de inteligente nesta quinta-feira.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel ressalta que o artigo 155 da Constituição determina que combustíveis e lubrificantes devem ter uma alíquota única, monofásica e adrem (cobrada sobre a quantidade produzida). A questão é que cada estado pode dar o desconto que quiser.
— Há uma carência de liderança em política tributária no país
— critica Maciel.
Fernando Scaff, professor titular de Direito Financeiro USP, também acredita no risco de judicialização, caso o projeto seja aprovado no Senado. Ele ressaltou que, se por um lado a medida fere a autonomia dos estados, por outro, as empresas brasileiras estão preocupadas com a escalada de preços.
— Os lados, União e estados, não se entendem, e quem vai ter que decidir é o Supremo. Uma lástima —afirmou Scaff, que também é sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Ecos da Lei Kandir
Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, diz que uma disputa judicial é o desfecho mais provável. Para a advogada tributarista Ana Vogado, sócia do Malta Advogados, o projeto de lei causou insatisfações de todos os lados.
Enquanto os estados se insurgem contra a possibilidade de um teto para o tributo, a União demonstra que não quer arcar com perda de arrecadação, caso essa queda ultrapasse 5%.
— Essa situação se assemelha ao que aconteceu com a Lei Kandir, editada em 1996, que dispunha que a União compensasse os estados pelo ICMS não arrecadado com a desoneração das exportações — compara a tributarista.
Carlos Eduardo Navarro, professor da pós-graduação em Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo e sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, lembra que a Lei Kandir gerou disputas entre União e estados. Porém, as decisões tomadas foram construídas com diálogo e saídas consensuais.
Para o advogado, o projeto fere a autonomia dos governos estaduais prevista na Constituição:
— Não tenho dúvidas de que esse projeto é uma afronta ao pacto federativo. Caso haja aprovação pelo Senado, acredito que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá declarar a lei inconstitucional.
Perdas em SP podem chegar a R$ 8,6 bi
Em São Paulo, a perda de arrecadação com os termos propostos no projeto aprovado deve girar em torno de R$ 8,6 bilhões por ano, nas contas da Secretaria de Fazenda do Estado. Para o secretário Felipe Salto, dificilmente esse dinheiro retorna, se depender do sistema de créditos proposto no projeto.
— Vai virar uma nova Lei Kandir — disse Salto a jornalistas ontem.
O secretário criticou o texto aprovado na Câmara, dizendo que sequer está claro se, para os estados, os créditos serão abatidos do estoque da dívida mantida com a União ou do seu fluxo de pagamentos.
Além da dificuldade que todos os estados terão para receber os créditos do imposto recolhido prevista por Salto, ele avalia que o efeito da medida proposta pelo governo federal não fará diferença no preço dos combustíveis.
Sobre a gasolina, nas contas da Fazenda paulista, a limitação do ICMS deve provocar um abatimento de R$ 0,10 a R$ 0,12 no preço cobrado na bomba. Valor que, estima ele, será corroído rapidamente com a elevação continuada dos preços dos combustíveis.
Segundo Felipe Salto, a estratégia de São Paulo para reverter o quadro traçado no projeto ainda não está definida. Por enquanto, prefere a torcida para que o Senado não aprove o texto que saiu da Câmara. Se o texto passar nas condições em que está, o secretário acredita que haja argumentos para contestá-lo na Justiça, alternativa que prefere evitar:
– Se o governo (federal) quiser, faz um crédito extraordinário e distribui esse dinheiro dos dividendos — propôs Salto, em referência à parcela dos lucros da Petrobras que vai para o Tesouro pelo fato de a União ser a acionista majoritária da empresa.
Há chance de o STF validar argumento do projeto
Donovan Mazza Lessa, sócio do Maneira Advogados e membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), concorda que os estados alegarão que sua competência para fixar alíquotas foi invadida. Mas lembrou que a Constituição prevê o princípio da seletividade — o que significa que o ICMS deve ser graduado conforme a essencialidade do bem ou serviço.
Sócio da Lippert Advogados e presidente do Instituto de Estudos Tributários e da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS, Rafael Korff Wagner reforça esse argumento. Segundo ele, o princípio da seletividade, que diz
que quanto mais essencial, menor deve ser a alíquota do ICMS, já está previsto na Constituição.
Wagner lembra que, recentemente, o STF se pronunciou dizendo que energia elétrica e telecomunicações são serviços essenciais. Ele avalia que combustíveis também podem ser considerados assim:
— Os estados poderão judicializar a matéria, mas o Supremo tende a manter seu entendimento dizendo que combustível é essencial e se aplica à seletividade.
O princípio constitucional de que o ICMS deve ser menor para bens e mercadorias essenciais também é mencionado por Luiz Gustavo Bichara, sócio-fundador do escritório Bichara Advogados. No entanto, ele destaca que a interpretação sobre combustíveis é polêmica.
— Combustível é mercadoria essencial? Para muitos — dentre os quais eu me insiro, é. Porém, certamente, para os estados, não o é. Então, não tenho dúvidas de que vai gerar litígio.
Tereza Amorim, advogada tributarista sócia do Bento Muniz Advocacia, avalia que a limitação da alíquota é uma saída imediata para um problema estrutural. Esses arranjos, não raro, causam distorções econômicas, adverte:
— Como diria o ditado popular, “não existe almoço grátis”.
Jornal O Globo , Brasília, 27 de maio de 2022 às 04h30
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