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05 de dezembro 2019 às 11H23

Decisão do STF sobre compartilhamento de dados agrada e preocupa advogados

O colegiado do Supremo Tribunal Federal definiu nesta quarta-feira (4/12) duas teses sobre o compartilhamento de dados entre o Ministério Público e órgãos de inteligência fiscal em processos penais. A ConJur ouviu especialistas sobre o tema e o assunto divide opiniões.

Para Vera Chamin, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV, as teses fixadas pelo plenário da Corte sobre a constitucionalidade do compartilhamento de dados bancários e fiscais por meio de relatórios da UIF (ex-Coaf) e de procedimento fiscalizatório da Receita para o Ministério Público sem prévia autorização judicial revestem-se de equilíbrio. “Estão em conformidade com a legislação atinente ao tema, quais sejam, a Lei Complementar nº 105/2001, cujos artigos 5º e 6º tratam especificamente sobre a forma de compartilhamento daqueles dados, além da Lei nº 9.613/1998, que disciplina o antigo Coaf, agora Unidade de Inteligência Financeira”, explica.

Vera acredita que as teses fixadas representam um “avanço institucional indispensável para o efetivo combate à corrupção, lavagem de dinheiro e à formação de organizações criminosas”.

A especialista lembra que no caso de o MP requerer diretamente às instituições competentes (Bacen, CVM), o acesso aos dados sigilosos, estes só serão compartilhados com prévia autorização judicial.

Quem também enxerga a fixação das teses sobre compartilhamento de dados fiscais para fins penais positiva — ainda com algumas ressalvas — é Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio na Advocacia Dias de Souza, mestre em direito constitucional e especialista em direito tributário. “O julgamento é correto no que toca aos dados compartilhados pela Receita no âmbito da representação fiscal para fins penais. Isso porque esta supõe a existência de um procedimento administrativo prévio que garante ao contribuinte a ampla defesa e o contraditório contra a acusação de ilícito fiscal-tributário. Por isso, não há necessidade de prévia autorização judicial e nem de restrição sobre os dados constantes do processo administrativo para envio ao MP quando for detectada a prática de ilícito tributário. Trata-se de dever do Fisco”, diz.

Szelbracikowski, contudo, acredita que seja inadmissível que o Fisco sirva de braço investigativo do Ministério Público ou da polícia para atender a pedidos que venham desses órgãos. “Esse caminho inverso é inconstitucional sem a interferência do Judiciário, como bem destacou o item 4 do voto do ministro Roberto Barroso. “A Receita não é órgão de investigação do MP, sobretudo em ilícitos que não são tributários ou conexos. Mais que isso, não são admissíveis consultas informais ou investigações sigilosas e direcionadas como as que foram denunciadas pela Conjur. É uma pena que esses aspectos do julgamento não tenham sido fixados como teses, embora possam ser extraídos das fundamentações dos votos”, diz.

Para o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio fundador do Mauler Advogados, a decisão é incensurável para os crimes tributários. “Uma questão permanece em aberto: a Receita pode investigar crimes diversos dos tributários e aduaneiros? Na prática hoje o faz e compartilha os resultados com a polícia e o MP, driblando a necessidade destes órgãos de obterem ordem judicial para acessar dados sigilosos do cidadão. A resposta, a meu ver, é terminantemente negativa”, diz

Eduardo Lopes de Almeida Campos, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, acredita que o principal problema da decisão do Supremo é a potencial confusão entre a investigação fiscal e a investigação criminal à revelia do contribuinte. “Em geral, a Receita não divulga os motivos pelos quais abriu um determinado procedimento fiscalizatório. Ela simplesmente requisita informações amplas sobre atividades de um determinado período. Se é exigido transparência do contribuinte, também deveria ser exigido do Estado”, diz.

Almeida explica que, “com o compartilhamento imediato, um contribuinte pode ser levado a responder à Receita questões que são na verdade de interesse da persecução penal, sem sequer saber que está sendo criminalmente investigado”. “Há um risco enorme ao princípio da ampla defesa. Uma informação prestada em um procedimento fiscal pode ser retirada de contexto e desvirtuada em uma investigação criminal. Se há risco de confusão, deve ser assegurado ao contribuinte os mesmos direitos do criminalmente investigado, inclusive o direito de não responder a questões que possam incriminá-lo, o que hoje é punido com multa no processo tributário.”

Por sua vez, Júlio César Soares, sócio na Advocacia Dias de Souza e especialista em Direito Tributário, vê problemas na fixação das teses. “O STF perdeu uma excelente oportunidade de garantir o direito fundamental ao sigilo em um de seus aspectos mais relevantes na atualidade. O problema não é, de fato, o compartilhamento de dados entre órgãos investigativos e de controle. O problema é a Receita e o próprio Ministério Público, sem a participação da polícia judiciária ou do próprio juízo penal, escolher alvos predeterminados e mover investigações que aconteçam sem a garantia do contraditório ou da defesa do investigado. Vemos hoje denúncias oferecidas com base exclusivamente em relatórios da Receita, situação que deveria ter sido rechaçada pelo julgamento do Supremo”, lamenta.

Por fim, João Paulo Boaventura, advogado criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados, diz acreditar que a decisão do Supremo coloca o Brasil na contramão de uma tendência mundial. “Vivemos um momento de maior preocupação com a proteção da privacidade e dos dados — que assume contorno democrático com a sua compartimentação e rígido controle de acesso —, o STF, por sua vez, decidiu por expandir o rol dos agentes que manterão contato com os dados sigilosos e, ainda, abdicou do controle prévio da legalidade pelo Poder Judiciário”, contesta.

RE 1.055.941

Revista Consultor Jurídico, 4 de dezembro de 2019, 21h23

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