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19 de dezembro 2019 às 9H54

Direito Penal não pode ser ferramenta de cobrança de impostos, dizem advogados

Nesta quarta-feira (18/12) foi fixada pelo Supremo Tribunal Federal a tese que criminaliza a dívida de ICMS declarado. Mais uma vez, a decisão vem causando repúdio de boa parte dos advogados tributaristas e criminalistas, mas também ganhou o apoio em alguns casos.

Por 7 votos a 3, a tese do ministro Luís Roberto Barroso saiu vencedora: “O contribuinte que, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixa de recolher ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do artigo 2, inciso 2, da Lei 8.137”.

Umas das vozes mais ativas contra a decisão do STF é de Igor Mauler Santiago. O tributarista voltou a comentar: “falou-se no contribuinte que usa do não pagamento para vender mais barato e ganhar a concorrência”. “Se vende mais barato, é porque não repassou. Nesse caso, há apropriação de quê? De imposto não repassado? Muitos votos vencedores assentaram na lógica da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. No mínimo, as modulações têm de caminhar juntas.”

Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP e advogado criminalista, afirma que a decisão trará muita insegurança jurídica. “Até então, era pacífico o entendimento de que a configuração de crime tributário demanda a prática de manobras fraudulentas, com o fim de reduzir a quantidade de imposto pago. O Supremo, na decisão de hoje, altera substancialmente essa lógica, e o mero inadimplemento passa a ser tipificado criminalmente, ainda que não exista fraude; ainda que o contribuinte tenha declarado, devidamente, os tributos que deveria pagar. Há uma mudança profunda de paradigma em relação aos crimes tributários e será necessário ver como essa mudança será assimilada pelos tribunais, para que tenhamos exata noção de qual será o quadro. O fato é que, na minha opinião, erra o Supremo, ao julgar que crimes tributários possam ser praticados sem que a conduta seja caracterizada por fraudes”, diz.

Criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, Marcelo Leal entende ser inaceitável a criminalização. “O direito penal não pode ser utilizado como ferramenta de cobrança de impostos. Para a tipificação da sonegação, é necessário dolo que só pode ser aferido a partir da análise da realização de fraude por parte do contribuinte. Tipificar o simples inadimplemento é jogar na criminalidade o empresariado que já arca com altíssima incidência tributária.”

Fernando Castelo Branco, professor de direito penal da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil, vê a Constituição ferida com a decisão. “Não podemos usar o Direito Penal para se cobrar uma dívida declarada à União ou aos estados. O que me preocupa é que a demonstração do dolo está na fraude. Se o tributo é declarado, não vejo como pode se dizer que há dolo.”

João Paulo Martinelli, criminalista, professor de Direito Penal, também vê uma exacerbamento do STF. “A Lei 8.137/90 criminaliza as condutas de sonegação de tributos, não de mera inadimplência. O crime é praticar fraude com o fim de pagar menos tributos. Quem declara e não paga não pratica fraude, e sim fica inadimplente, o que comporta um processo administrativo. A maioria do STF, novamente, expandiu o conteúdo de um tipo penal para abranger comportamentos não tipificados. A lei penal não comporta interpretação extensiva ou analogia para ampliar o alcance criminalizador do tipo.”

O criminalista Daniel Leon Bialski lembra que, dependendo do porte da empresa, nem sempre os dirigentes têm conhecimento pleno sobre o recolhimento ou não dos impostos. “O dirigente só fica sabendo que houve parcelamento ou houve declaração e não pagamento diante da condição econômica da empresa quando o problema estoura. Então, se não há um ato direto ou uma omissão comprovada, já se retira aí ao menos o caráter de ciência prévia, que elide qualquer tipo de situação em vocação de dolo.”

O advogado Daniel Gerber afirma que nem sempre a dívida será crime. “Se eu comprovar nos autos de um processo que o não recolhimento se deu por absoluta inexigibilidade de conduta diversa, na medida em que eu precisava pagar fornecedores para manter a empresa aberta, na medida em que eu não enriqueci ilicitamente, na medida em que eu não incremente patrimônio pessoal, eu conseguirei ser absorvido.”

A constitucionalista Vera Chemim é uma das vozes favoráveis ao STF. “Não se trata de alguém que simplesmente deixou de pagar o tributo de forma eventual por enfrentar dificuldades de natureza financeira. E sim que se apropriou de um dinheiro alheio. Em síntese: não se penaliza a mera inadimplência e sim o dolo de apropriação indébita tributária materializado por esse contribuinte. Sendo assim, somente com a abertura de uma ação penal é que cada caso concreto deverá ser investigado e devidamente comprovado ou não.”

A outra é de Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e especialista em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). “Por um lado, a decisão é importante, pois mostra que o STF não tolerará a figura do chamado devedor contumaz.”

Mas pontua problemas também. “Há, por outro lado, ao menos três problemas. Primeiro, a qualificação jurídica do devedor contumaz está em discussão no Congresso. Isso é problemático em termos penais que supõe imputação objetiva do crime. Segundo, o devedor contumaz já não declara e nem repassa ICMS — ou outros impostos — no preço do produto, pois usa o não pagamento de tributos como fator de vantagem competitiva. Por isso, será impossível, por ser fato atípico, imputar a ele o crime de apropriação indébita tributária, tornando o julgamento vazio para o que aparentemente se destinou. Terceiro, na prática a decisão atingirá aquele devedor eventual ou reiterado que atua de forma lícita, o que é ruim para o ambiente de negócios e a segurança jurídica. Em relação a esses, a cobrança da dívida deveria se dar pelos procedimentos ordinários à disposição do Fisco.”

 

Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2019, 20h06

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